terça-feira, 11 de maio de 2010

sorte

e aí eu ganhava o cílio, depois de fazer o pedido. e tinha que pegar o cílio vencido, passar o dedo no colo, e deixar ele se perder. depois de ganhar, podia deixar ali, no corpo, ou caído no vento, porque já havia a garantia de realização do pedido. você via no rosto de alguém um cílio caído, não valia arrancar, jamais. roubar pra fazer pedido era maldição, na certa. tinha que esperar cair e aí puxa, que sorte ver antes de todo o mundo! e pegava, e a dona do cílio tinha o direito de disputar com você a realização do que fosse mais precioso para cada uma. os dedos unidos por alguns instantes, e depois o aceno com a cabeça: pronto, já pedi. e aí soltavam-se os dedos e quem ganhasse, colocava no colo pra guardar. eu sempre passava o dedo mais perto do coração. ah, o romantismo da infância.

se na hora final o cílio caísse, era porque os pedidos tinham sido grandiosos demais, too much. e aí era um desperdício; uma chance perdida de mudar o próprio destino. então tinha que ser algo grandioso, porque vai que eu ganho?, mas não tão grandioso a ponto dele cair no chão, apontando pra você a culpa de ter desejado demais. meus pedidos eram sempre grandiosos, sempre coisas como "quero ser muito feliz pra sempre", porque eu achava que pedir assim garantia as outras coisas, menores, as conjunturas. porque não era um desejozinho qualquer, eram 50% de chance de fazer algo muito bom funcionar. era uma probabilidade muito boa, então tinha que ser muito, coisas menores eu podia mudar sozinha.

e aí eu saía, vitoriosa, o cílio guardado no coração, só esperando começar a ser muito feliz pra sempre. até que surgisse outro, então tinha de inventar novos pedidos grandiosos a serem realizados (por algum motivo, os pedidos pra que ninguém mais passasse fome no mundo sempre caíam no chão, aprendi a não pedir mais). às vezes pedia alguma coisa menor, mas por outras pessoas, sempre focada no pedido maior: pessoas felizes ao meu redor me deixam feliz. eu penso hoje nessa minha obsessão pela felicidade e acho bonito. a gente cresce e deixa de esperar certas coisas. é um implícito que acaba negligenciado por parecer tão óbvio. não é.

outras vezes eu perdia, e pensava, talvez a fulana precisasse mais dessa vez, preciso pedir algo de que eu realmente precise. e assim ia educando meus desejos, aprendendo a moldar o que devia ou não ser desejado. isso diz tanto sobre quem eu me tornei! mas era uma delícia, essa vida em que, a qualquer momento, podia surgir uma oportunidade de desejar o impossível, pra ganhar um pouquinho que fosse de algo de bom. era maravilhoso. era uma coisa de momento, olha, um cílio! peraí, preciso pensar no que pedir! silêncio! e aí acessar os arquivos mentais, o que eu pedi da última vez? e ponderar, analisar o que era possível/ vantajoso/necessário naqueles poucos segundos, com a lógica de uma criança de seis/oito/doze anos. e arriscar. e aí pronto, esquecer daquilo de novo. o coração cheio de esperança, e até o próximo cílio.

2 comentários:

  1. Adorei!!! eu também fazia isso mesmo, e pedia pra ser feliz... e quando acaba, sou feliz mesmo!!!! meu pedido foi atendido!

    ResponderExcluir