quinta-feira, 8 de julho de 2010

ressignificação

saudade é uma palavra esquisita. não se pode traduzir, porque ninguém além da gente sabe exatamente o que é. e eu nunca entendi como aquelas pessoas, do resto do mundo, vivem sem poder expressar isso que eu sei sentir tão claramente e que não existe nada que defina melhor. saudade é uma palavra tão essencial e ao mesmo tempo, né, se a gente não tivesse, não ia saber. se não tivesse a palavra, quero dizer. saudade a gente sempre tem, mesmo quando não tem como dizer exatamente o que é aquilo que a gente sente. saudade é uma palavra esquisita porque é uma só, e nela cabe muita coisa. pode ser saudade de uma coisa que deixa a gente muito triste, como lembrar de alguém que morreu e sentir quase uma falta de ar esmagando o peito, porque não tem jeito, não tem solução. pode ser saudade de uma coisa que você fazia na infância, tipo o sorvete de flocos amarelado de teresópolis, que ainda existe. pode ser saudade dos meus avós que eu não vejo tanto quanto gostaria, mas é uma saudade doce, com gosto de pavê. pode ser saudade de alguém que está longe mas que vem ao seu encontro, e aí a saudade some e vai se reconstruindo aos poucos, mas sempre de uma forma boa. pode ser saudade da pessoa que você foi, mas não pode mais ser, e aí tem um incômodo, um desconforto. cabe muita coisa em sete letras. e dói de formas diferentes, e é bom de formas diferentes. e a gente sente tudo ao mesmo tempo. saudade é uma palavra esquisita.

terça-feira, 11 de maio de 2010

sorte

e aí eu ganhava o cílio, depois de fazer o pedido. e tinha que pegar o cílio vencido, passar o dedo no colo, e deixar ele se perder. depois de ganhar, podia deixar ali, no corpo, ou caído no vento, porque já havia a garantia de realização do pedido. você via no rosto de alguém um cílio caído, não valia arrancar, jamais. roubar pra fazer pedido era maldição, na certa. tinha que esperar cair e aí puxa, que sorte ver antes de todo o mundo! e pegava, e a dona do cílio tinha o direito de disputar com você a realização do que fosse mais precioso para cada uma. os dedos unidos por alguns instantes, e depois o aceno com a cabeça: pronto, já pedi. e aí soltavam-se os dedos e quem ganhasse, colocava no colo pra guardar. eu sempre passava o dedo mais perto do coração. ah, o romantismo da infância.

se na hora final o cílio caísse, era porque os pedidos tinham sido grandiosos demais, too much. e aí era um desperdício; uma chance perdida de mudar o próprio destino. então tinha que ser algo grandioso, porque vai que eu ganho?, mas não tão grandioso a ponto dele cair no chão, apontando pra você a culpa de ter desejado demais. meus pedidos eram sempre grandiosos, sempre coisas como "quero ser muito feliz pra sempre", porque eu achava que pedir assim garantia as outras coisas, menores, as conjunturas. porque não era um desejozinho qualquer, eram 50% de chance de fazer algo muito bom funcionar. era uma probabilidade muito boa, então tinha que ser muito, coisas menores eu podia mudar sozinha.

e aí eu saía, vitoriosa, o cílio guardado no coração, só esperando começar a ser muito feliz pra sempre. até que surgisse outro, então tinha de inventar novos pedidos grandiosos a serem realizados (por algum motivo, os pedidos pra que ninguém mais passasse fome no mundo sempre caíam no chão, aprendi a não pedir mais). às vezes pedia alguma coisa menor, mas por outras pessoas, sempre focada no pedido maior: pessoas felizes ao meu redor me deixam feliz. eu penso hoje nessa minha obsessão pela felicidade e acho bonito. a gente cresce e deixa de esperar certas coisas. é um implícito que acaba negligenciado por parecer tão óbvio. não é.

outras vezes eu perdia, e pensava, talvez a fulana precisasse mais dessa vez, preciso pedir algo de que eu realmente precise. e assim ia educando meus desejos, aprendendo a moldar o que devia ou não ser desejado. isso diz tanto sobre quem eu me tornei! mas era uma delícia, essa vida em que, a qualquer momento, podia surgir uma oportunidade de desejar o impossível, pra ganhar um pouquinho que fosse de algo de bom. era maravilhoso. era uma coisa de momento, olha, um cílio! peraí, preciso pensar no que pedir! silêncio! e aí acessar os arquivos mentais, o que eu pedi da última vez? e ponderar, analisar o que era possível/ vantajoso/necessário naqueles poucos segundos, com a lógica de uma criança de seis/oito/doze anos. e arriscar. e aí pronto, esquecer daquilo de novo. o coração cheio de esperança, e até o próximo cílio.

domingo, 4 de abril de 2010

what's love got to do with it?

eu tive um professor de biologia no segundo grau que adorava criar cenas para as coisas que ensinava. lá nos anos 90, numa cidade do interior do rio de janeiro, eu tinha acabado de sair de uma escola católica e fui estudar em uma espécie de cooperativa de professores, a maioria vindos da capital, que tinham uma linha de pensamento muito mais condizente com o que eu sonhava em ser. 

eu sou a professora que, há duas semanas, fez um comentário em aula sobre a sexualidade de shakespeare. há oito anos, na minha graduação, ninguém ousou sugerir pra nós que o grande poeta da língua inglesa pudesse ser gay. a meu ver, isso é uma possibilidade bem óbvia, dada a natureza dos sonetos, e vale ser mencionada. mas, irrelevante pra este texto: o que quero dizer é que sexualidade (e, em especial, a sexualidade com prefixos) era algo que até bem pouco tempo não parecia algo passível de menção, em especial quando poderia "manchar" a imagem de grandes ícones mundiais. mesmo assim, na pequena cidade do interior, meu professor de biologia falava dos prefixos.

recordo-me em especial de uma aula em que falamos de sexualidade e na qual ele criou para nós uma cena dentro do zoológico. "visualizem", ele disse, "imaginem o fim do dia no zoológico, pessoas saindo, os funcionários deixando o recinto, aquele clima à meia luz, e então dom lobão aparece com uma mesa, toalha, velas, louça antiga, queijos e vinhos, tudo preparado para seduzir a loba que com ele divide a jaula, e que há dias ele vinha tentando levar 'no papo'". ele contava então dos dias e diálogos incansáveis, dom lobão fazendo uso de suas melhores cantadas e nada da loba gatinha (sic) dar bola pra ele, até que veio a idéia do jantar romântico. o professor continuava a compor a cena, da qual já não me recordo tão bem, criando um espaço de sedução animal, "humanizando" os lobos. no fim da história, a loba bêbada e já entregue a seu don juan de pêlo marrom lustroso, o professor levantava as sobrancelhas e dizia "hã? hã? que tal?", nos fazendo imaginar o que viria depois.

"os animais também têm seus métodos de sedução", ele completava.* disso eu já sabia: as penas do pavão, o cortejo do faisão, o ballet dos flamingos, tudo em nome da cópula. or is it? meu professor dizia que sim. tudo em nome da cópula. nós nunca veríamos de fato um jantar à luz de velas entre um casal de lobos porque eles cruzam por instinto, pra se reproduzir.

"mas nós, seres humanos, diferentemente do que a igreja nos leva a pensar, nós não fazemos tudo em nome da cópula. nós temos o prazer, o amor. e a partir do momento em que o sexo deixa de ser um mero ato de reprodução animal, a partir do momento em que o sexo envolve todas essas sensações, e emoções, me parece natural que o gênero deixe de ser uma questão". lembro dessa frase como se me tivesse sido dita ontem, achei sensacional estar ouvindo aquilo aos 16 anos, em uma cidade como aquela. aquele professor virou meu herói.

ele não se aprofundou muito, isso é verdade. mas essa aula continua na minha memória, quase 14 anos depois. e hoje vi uma matéria no new york times que me fez relembrar a história: a matéria discute a possibilidade de que animais também se relacionem com outros do mesmo sexo, por uma razão outra que não a cópula. a repórter fala com uma bióloga que descobriu casais de fêmeas de albatrozes (de acordo com a matéria, umas das espécies mais monogâmicas que existem, e aparentemente mais monogâmicas que nós, humanos) que vivem juntas há quase duas décadas. isso mesmo, albatrozes meninas, que vivem juntas há quase 20 anos. são vários casais, um terço do total de pássaros naquela região. a matéria diz, e os biólogos afirmam, que não se pode concluir muito a partir disso, porque não se estudou sobre isso ainda (será que vão estudar sobre isso?), não se sabe os motivos disso acontecer, se é algo que tem a ver com uma espécie de afetividade ou o quê. o fato é que os casais de mesmo sexo estão lá, fiéis, firmes, roçando suas barriguinhas e arcando seus pescoços e formando corações.

e cá estou eu, nesse domingo com cara de chuva, cheia de papéis vazios de chocolate ao meu redor, porque afinal é páscoa, e o que é a páscoa para nós pagãos senão o dia de comer chocolate sem culpa (e olha que eu nem gosto muito, mas esse chocolate com laranja... loveit), cá estou eu descabelada, de pijama, considerando fazer um miojo, o apartamento vazio, os restos de um casamento que um dia foi pendurados por todos os cantos, como fantasmas, cá estou eu sozinha, pensando, os albatrozes é que são felizes.


* minhas aspas não são reais, não sei o paradeiro do meu professor. são apenas ilustrativas do que me lembro de seu discurso. apenas para separar o texto "dele" do meu. por esse mesmo motivo, não uso seu nome neste texto. pode ser que ele não tenha querido dizer nada disso, enfim, e que eu é que tenha ouvido dessa forma. de qualquer maneira, agradeço a ele por me abrir esses caminhos de pensamento, intencionalmente ou não.

terça-feira, 23 de março de 2010

it's not you, it's me

é engraçado como muita gente me pergunta isso. "localização? como é isso, você fica procurando coisas no google?" é mesmo um termo estranho pra quem não é da área, mas, acredite, não tem termo que defina melhor o que eu faço.

localização é uma área da tradução, que assim se chama porque vem de "tornar local", não tem nada a ver com encontrar coisas no google. é o termo usado para essa área da tradução que lida com softwares. a gente traduz programas de computador, basicamente é isso. desde o botãozinho "Iniciar" que você clica pra fazer qualquer coisa no windows até os manuais de ajuda, a caixa do produto e os releases de lançamento, tudo é feito por nós, profissionais de localização.

para traduzir esses softwares, usamos programas de tradução específicos. que ajudam a manter o formato codificado original, não mexer na formatação, traduzir legendas de imagens, gráficos etc. existem diversos programas de localização de software, uns melhores que outros, uns muito piores mas aos quais temos que nos sujeitar. e tem a microsoft, que criou programas próprios para a localização dos seus softwares. um deles se chama locstudio, que é um desses programas geniais que transformam um programa inteiro em uma super-power-blaster-surround planilha, na qual é possível simplesmente traduzir os botões/comandos/whatever numa coluninha e quando acaba, puf, o engenheiro transforma aquilo em programa de novo - já localizado para o português.

o locstudio tem várias coisas legais. ele tem milhões de opções de verificação que fazem com que seja quase impossível fazer um trabalho ruim. ele verifica repetições, inconsistências, aponta se você pulou alguma linha, procura num glossário e vê se você traduziu de acordo com ele, oferece milhões de formas de verificar cada possível tropeço ao qual todo tradutor está sujeito, seja por um minuto de sono, porque o telefone tocou, porque não pensou no big picture naquele minuto, enfim. e ele te ajuda a corrigir, aponta onde foi, é lindo.

o programa também tem seu lado ruim, que é o de, diferente de programas que usam memória de tradução, como o Trados, não mostrar o que já foi traduzido em frases parecidas com aquela. ele só te mostra uma frase se ela for idêntica à que você está traduzindo. e aí isso vira um trabalhinho a mais, uma pesquisazinha a mais. tudo bem, mas não custava nada facilitar a nossa vida.

mas uma coisa que eu *realmente* invejo no locstudio são os filtros. o programa tem uma coisa sensacional, que é a capacidade de filtrar o seu arquivo de trabalho usando qual-quer (eu repito, qual-quer) critério. você quer que ele mostre só o que ainda não foi traduzido? aplica o filtro, puf. quer que ele mostre só o que foi feito por um tradutor específico. aplica o filtro. quer uma coisa que ele ainda não sabe fazer? tudo bem, ele deixa você CRIAR um filtro. e aí você aplica. são opções infinitas de filtragem, e aí o programa só te mostra aquela parte do texto, aquele viés.

eu quero isso pra vida.

eu quero poder me filtrar pras pessoas, quero poder olhar para alguém e pensar, hmmm, não posso ser tão acadêmica aqui, e plim, aplicar o filtro de menos academicismo. quero pensar, hmm, preciso ser mais nerd aqui, e tchan, aplicar o filtro nerd. eu sou uma pessoa sem filtros, isso me causa muitos problemas. veja bem, eu transito muito bem entre os diferentes ambientes sociais, mas é sempre barely, sempre sendo tão eu mesma que às vezes isso me prejudica. porque ainda que isso indique um teor de personalidade que muita gente não tem, e isso é bom, não é?, mas isso também me impede um pouco de impor limites. eu não tenho mais aquele murinho que divide o formal do informal, o público do privado, o que deve ser dito e o que não deve. eu cheguei em um nível de transparência que não é, não pode ser, saudável. 

ainda vou explicar isso melhor em outros momentos, ou talvez isso simplesmente fique claro aqui. não é que eu seja uma mulher sem segredos; eu tenho segredos, como todo mundo, e tenho vergonhas, e receios, e medos, e tudo mais. mas eu, definitivamente, não tenho filtros. e isso atrapalha, eu venho concluindo, a minha relação com homens heterossexuais. desde ter que ouvir o irmão me chamar de "hippie", porque eu não tenho grandes pudores com o sexo oposto, até ouvir um amigo próximo fazer um comentário um tanto sexualizado sobre mim, o que foi muito constrangedor. mas o que eu acho é que a minha falta de filtro justifica isso. it's not you, it's me.

mas, nem oito, nem oitenta: eu preciso achar a medida que me deixa confortável ser quem eu sou, como eu sou. não acho que filtros sejam se esconder, pelo contrário, é mostrar o que é relevante. e isso nada tem a ver com meus decotes...

locstudio 1 x 0 eu.

sábado, 13 de março de 2010

boi, boi, boi...

há um tempo atrás li uma matéria que dizia que, em estudos recentes, ficou comprovado que não se pode recuperar o sono que foi perdido. isso não quer dizer que se você virou a noite numa balada, vai sentir sono pra sempre. significa que, se você tem problemas pra dormir, como eu, se você dorme pouco, vira noites, trabalha até muito tarde e acorda cedo pra trabalhar mais no dia seguinte, aquela falta de atenção que vem no dia mal dormido é uma coisa que não vai se recuperar totalmente com as horas compensadas de sono duas ou três noites depois. que a falta de atenção e todos os sintomas da falta de horas dormidas podem lentamente se instaurar em você.

eu estou numa fase da vida em que acho que sofro de um TDAH não diagnosticado, porque é muita falta de atenção, já virou piada. se alguém fala comigo por muito tempo, em algum momento eu simplesmente desligo, paro de ouvir, de uma forma até mal-educada. não é por mal, e não consigo evitar. eu só não consigo prestar mais atenção nas coisas por muito tempo, meu attention spam se reduziu significativamente nos últimos anos. e, se a ciência diz que isso pode ser resultado dos meus péssimos hábitos de sono, eu tenho certeza de que só vou piorar, porque eu sou assim desde muito nova, eu não consigo ter uma rotina de sono desde que me entendo por gente. sempre fiquei acordada até muito tarde, sempre acordei tarde quando não era dia de escola e sempre virei noites e noites seguidas, acho que por ser muito ansiosa, não sei. aí veio a idéia do TDAH, que agora já não sei se é um diagnóstico tão bom quanto pareceu quando me achei genial por pensar nele.

tudo isso pra dizer que essa semana foi super corrida, com frilas e noites muito mal dormidas, duas noites viradas e até o corpo respondeu mal, vomitei, fiquei doente, hoje uma dorzinha de garganta que pressinto que vai durar mais uns dias. então se eu parar de prestar atenção no que você diz,

sexta-feira, 5 de março de 2010

televisão de cachorro

li uma vez um artigo que dizia que a parte ativada no cérebro dos homens ao ver pornografia é a mesma que se ativa quando vêem uma comida muito promissora num restaurante. isso provaria, de acordo com o artigo, que os homens encaram a pornografia com olhos diferentes do que nós, mulheres, pensamos. um cara olha uma mulher pelada na revista ou no filme e não compreende aquela informação como algo passível de ser real, realizável; é uma relação com a imagem que é completamente diferente de uma relação que ele possa ter com uma mulher de verdade. 

ou seja, quando ele olha aquelas bundas perfeitas, os peitos siliconados, as coxas duríssimas, esculpidas à mão e aperfeiçoadas pelo photoshop, ou aqueles corpos em convulsão simultânea sem nenhuma banha balançando na tv/computador, ele não pensa na mulher de casa e compara os pneuzinhos. ele não pensa na celulite da mulher que ele, de fato, come, e ele não pensa realmente que pode comer a mulher da revista ou filme. é um universo distinto, como se não fossem homens e mulheres, mas cachorros e frangos de padaria. (risos internos de poder praquelas mulheres gostosíssimas serem frangos de padaria no cérebro masculino, hua hua hua.)

bom, é isso que o artigo dizia. eu fiquei feliz porque eu sempre tive pavor de ser comparada com aquelas mulheres (será que toda mulher pensa isso ou é maluquice minha?), porque, oras, elas têm bundas, peitos e coxas que eu jamais terei. mas eu sei que alguém come aquelas mulheres, e não são cachorros (pelo menos não em maioria): são homens, como esses para os quais eu me enfeito. então resta saber se os *meus* homens se curvam diante da boa e velha pornografia, ou se pensam em como curvar seus objetos de desejo.

raimunda?

homem é um bicho difícil de entender. existem milhões de piadinhas sobre como mulheres são complicadas - e, de fato, somos -, mas nenhuma sobre como homens funcionam. eu queria falar, mais especificamente, sobre o conceito de gostosa que vem separado da cabeça. eu posso estar sozinha aqui, mas sempre pensei nisso como algo essencialmente masculino. porque pra mim, uma mulher gostosa é uma mulher linda. ela tem um rosto lindo, bundão, peitão, cabelos sensacionais, pernas incríveis. enfim, uma mulher inteira bonita. mas pra homem, mulher gostosa não é o mesmo que mulher bonita. ela pode ser medonha, com cara de que nasceu da junção de monteiro lobato e frida kahlo, e ainda assim ser gostosa. outro dia ouvi inclusive um amigo usar a expressão "mulher camarão": você tira a cabeça e come o resto. dureza.

quer dizer, não adianta a gente se matar, tomar shake emagrecedor, contar calorias, morar na academia (não que eu faça isso), escova progressiva, vestido decotado, unhas impecáveis, aquele peep toe lindo, porque não importa o que você faça, o tanto que se esforce, no fim a natureza ganha. é claro que dinheiro torna as pessoas mais bonitas (carla perez tá aí pra me validar), mas tem mulher que não tem jeito, vai se matar pra ficar linda e ainda ser chamada de camarão. e ainda tem que achar que é elogio. elogio pra bunda, como se a bunda não fizesse parte dela. é uma subversão da metonímia. 

e por que alguém quer uma bunda sem o resto? por que, em qual universo, é interessante comer alguém só pela bunda, mesmo que a cara seja feia? quando foi que a bunda se tornou mais interessante que qualquer coisa, a ponto de compensar outros atributos não tão afortunados? tudo vale a pena, se a bunda não é pequena? quando foi que a bunda passou a valer mais que o rosto? por que, POR QUE alguém quer uma bunda sem o resto?

e os homens dirão, sem nem ter o trabalho de ler isso tudo: porque a mulher é gostosa, oras!

e, no meu mundo, isso não faz sentido nenhum. eu nunca vou entender os homens.

dos percalços

eu fiz a comparação e recebi gargalhadas em resposta: casar no civil é como fazer uma assinatura de tv a cabo. mas, juro, é uma comparação justa.


me acompanhe: você decide que precisa de mais canais pra viver. liga pro 0800 e diz, "oi, quero fazer uma assinatura". imediatamente, a pessoa te transfere pro setor certo, quando não é ela mesma que resolve tudo. eles anotam seus dados, oferecem os planos, você escolhe a forma de pagamento e em dois, três dias já tem 500 canais à sua disposição. 

então, um belo dia, decide que não precisa mais de tantos canais... preciso dar detalhes? é sempre um inferno. você é passado pra 30 setores diferentes, eles insistem que você dê um motivo pra querer cancelar, barganham até o último minuto,  a ligação cai, você deixa pra ligar no dia seguinte, aí passa pelo inferno todo de novo... dá vontade de continuar com a assinatura só pra não ter que passar por aquilo tudo. até que vira uma questão de honra, você descabelado, suando, telefone na mão, xingando a mãe do atendente, ameaçando processar aquela merda se não tirarem os canais da sua TV i-me-dia-ta-men...

pois casar não é muito diferente. talvez seja, apenas, um pouco mais caro (dependendo do número de canais, fica elas por elas). você decide casar, é tudo lindo. leva umas copiazinhas de RG e CPF, escolhe o tipo de comunhão de bens, paga uma taxa, vai no fórum e assina tudo, o juiz faz até um discursinho, spiritual but not religious. pronto, casados. sejam felizes, comprem móveis, financiem apartamentos, criem dívidas juntos, tenham filhos. e rezem, mesmo os ateus, rezem para nunca precisar desfazer a sagrada sociedade conjugal.

se você ficou casado por mais de um ano, não teve filhos, não adquiriu bens comuns e se estão ambos de acordo com a separação, é menos pior. você precisa, claro, ir ao mesmo cartório em que casou. e se você não mora mais naquela cidade, precisa de uma procuração de um cartório local de onde você mora. dinheiro. você vai precisar, então, de uma certidão de casamento atualizada - sim, atualizada! -, que nada mais é que o mesmo papel que te deram quando você casou, e que você guarda, porque, duhr, é um documento, mas ele não serve, precisa desse outro que é o mesmo, mas com a data de hoje e selinhos novos. e, é claro, isso custa dinheiro.

aí você precisa de certidões de X (não me lembro o nome), que são um "nada consta", que eu até agora não entendi o que podia constar. mas você paga, um pra cada, e ele diz que você não tem pendências... (na vida? tenho tantas, e o papel veio tão fácil...) esse belo papel, que, imagino, envolva uma pesquisa de alguns (dois) minutos, leva três dias pra ficar pronto. e custa mais dinheiro, claro.

você pega os inúteis papéis e leva no outro cartório, outro ofício. você precisa de um advogado, que vai servir de assessor e testemunha. (pode ser um advogado só pros dois.) ele vai escrever uma petição declarando o óbvio (separação consensual, sem bens, sem filhos, ambos de acordo blablabla) e levar com ele. o cara do cartório vai pegar esses documentos, anexar os seus documentos (e os do cônjuge) autenticados (mais dinheiro) e preparar um outro documento (bem mais dinheiro).

aí ele lê o documento com vocês e confirma dados, números de documentos, pergunta todas as coisas óbvias novamente ("têm filhos menores de 18 anos?", hellooo, olha esse corpinho aqui!, "estão ambos de acordo, certo?", "vocês não têm nenhum bem comum?" etc. - pensa na tv a cabo aqui), conta quanto vai custar a coisa toda no final (naquele cartório) e ok, ele imprime, você assina, o cônjuge assina, o advogado assina.

aí mais um dia pro cartório tornar público o tal documento. Isso é de graça, viva! 

e então falta averbar. que nada mais é que registrar o documento assinado no cartório, aquele primeiro, o que emitiu a certidão com data de semana passada (sim, você passou uma semana resolvendo isso). isso leva mais uma semana. e, finalmente, você pode pagar mais uma taxa e pegar as certidões da separação - sim, porque o divórcio é bem mais complicado. só daqui a dois anos.

o que aprendemos com isso? que casar no civil é um erro. a não ser, é claro que você seja muito rico e precise da justiça pra dividir os dinheiros. ou seja, casar é pros muito ricos. pra nós, mortais sem bens e sem filhos, é só uma dor de cabeça - e no bolso - a mais.

eu não caso de novo nessa vida, mas estou considerando assinar um pacote de tv a cabo. não se pode aprender com tudo.

então.

gabriela, trinta e poucos, professora, escritora frustrada, cantora de chuveiro. finjo que toco violão (e tem gente que acredita) e, nas horas vagas, tricô e sudoku. gosto de folk, jazz e acho que a música atingiu seu ápice em 67 - mas sou limpinha.

tenho muito mais bolsas e sapatos do que preciso, e minha ansiedade pode ser medida no tamanho das unhas. mudo o cabelo quando não consigo mudar a vida na velocidade que preciso, e sou extremamente incoerente. não que eu goste disso. (e ai de quem apontar.)

fiz mestrado em literatura, mas fiquei muito tempo sem ler um romance até o fim. fico mais com a teoria. gosto das análises, das pessoas, das estratégias. e também a literatura feminina, de qualquer época. mas não sou feminista, pelo menos não no sentido clássico. meus amigos me chamam de politicamente correta; eu chamo de boas maneiras. sou, de fato, um pouco intolerante com piadas. mas acho seinfeld genial.

por muitos anos joguei RPG e só parei porque precisava viver a vida de cá. e prefiro os videogames antigos, aqueles em que o bonequinho só se mexia pros lados e era mais fácil passar de fase. também leio muito sobre ciência, e tecnologia, hábito que herdei do meu pai. da mãe puxei o tom academicista pra vida, mas abusei, transgredi e um dia me vi sendo mais cérebro que corpo. venho tentando o re-equilíbrio desde então. porque ninguém quer ser só uma bunda, mas não devemos esquecer que temos uma. nem deixar de ir pra academia, pra ela não cair!

apesar da minha implicância com maiúsculas no blog (uma escolha), adoro as sutilezas da linguagem, seja escrita, cantada ou filmada. não acredito na máxima "não existe português errado". os linguistas que me desculpem; good writing is sexy. e o inglês aparece costurado no meu texto porque, por conta do trabalho e dos rumos que a minha vida tomou, tem dias em que é difícil separar os dois idiomas.

tenho também indícios de um TOC com organização, por enquanto ainda gerenciável. preciso de terapia, mas falta dinheiro. preciso de mais sushi, também, mas falta dinheiro. eu acho inclusive que, com mais sushi, eu precisaria de menos terapia. porque sushi me faz feliz.

e sou viciada em mate. com ou sem limão, com ou sem adoçante, feito da folhinha ou comprado no restaurante. it's all good.