segunda-feira, 13 de abril de 2015

as dores dos trinta anos

às vezes eu me pego perguntando se viver é mais difícil pra algumas pessoas que pra outras. não sei exatamente medir o que causa isso, talvez se eu lesse mais Lacan, Sartre ou sei lá quem mais, eu pudesse ter respostas melhores, mas ao mesmo tempo tenho medo de me aprofundar mais e me afundar mais na realização negativista com a qual, tenho notado, tenho tendência a flertar.

sempre fui uma pessoa que busca todos os dias olhar pro copo e pensá-lo como meio cheio: um mundo de possibilidades. mas a realidade, o dinheiro, as contas, a pressão, o trabalho, a família, tudo sempre faz aquele contrapeso que me empurra a pensar no meio vazio. é uma briga eterna entre o emocional e o racional. tento todos os dias me convencer de que a depressão, apesar de ser elemento forte na minha família, e de ser algo para o qual temos predisposição genética, é algo que em mim vou conseguir controlar. mais exercício, mais vida fora de casa, mais socialização, mais amigos, e tudo vai ficar bem. vai mesmo? who knows.

hoje recebi uma notícia devastadora, para as proporções do meu mundo: um dos meus melhores amigos, que já vinha sumido há algum tempo, me mandou a mensagem final: não me procure mais. assim, uma linha. uma amizade de anos que acabou com uma linha. não houve nada entre nós que pudesse ter causado isso, apenas a nova namorada dele, com quem ele quer construir uma vida, tem ciúme de mim e da nossa relação - que sempre foi de amizade. e ele escolheu a promessa de futuro com alguém.

isso me fez pensar em algumas coisas. a primeira é que depois dos trinta talvez as prioridades mudem para algumas pessoas. a máxima "bros before hoes"/"sisters before misters" talvez não valha quando você está apaixonado, ou acha que está, ou quer como meta ter um relacionamento que funcione a qualquer custo. e por conta disso as pessoas mudam, se tornam irreconhecíveis. esse amigo era uma das pessoas mais legais que já conheci, super articulado, super sensível, intenso com a vida. se expressava de uma forma tão singular, que era o que eu mais gostava nele. e tudo acabou com uma linha: não me procure mais. no explanations, no real goodbyes. se o que ele quer é isso, e a condição é me deixar no caminho, so be it.

a outra coisa em que pensei é que essa minha tristeza revela algo ainda mais profundo em mim: talvez um certo medo de que eu não seja jamais capaz de fazer essa escolha. eu não acho justo o que ele fez, não acho que uma pessoa que diz que te ama pode te privar de coisas que não são uma ameaça real ao relacionamento, e eu não aceitaria passar por isso, por amor nenhum. e talvez essa seja a realização mais triste de todas, proporções tomadas: a de que eu simplesmente não me vejo mais como alguém capaz de me apaixonar o suficiente pra ter como prioridade a relação em si, acima de tudo.

o que é um dilema, uma dor e um medo constantes. eu não quero morrer sozinha (não tenho intenção de soar dramática aqui, é só uma maneira de me colocar) e saio de casa todos os dias esperando me apaixonar. de verdade. eu sinto saudade dos highs and lows e da euforia e da sensação de que aquela pessoa é o ser mais incrível do universo e que sorte ser correspondida, etc. e acho que não negociar certas coisas é ser egoísta, e isso é algo que não sou, mesmo. mas ao mesmo tempo tenho em mim enraizado um pensamento cultural de que preciso de um amor descomunal pra ser feliz com alguém, e que sem isso é melhor ser sozinha, ou continuar procurando. mas a ansiedade que isso gera faz com que nada pareça bom, ou certo, ou seguro, ou posível no longo prazo. de modo que acabo sozinha esperando algo idealizado que jamais vai existir.

não consigo dar chance pro que é palpável, porque meu emocional me diz que há de existir algo melhor, que aquilo não é intenso o suficiente. mas o melhor não existe, ao que parece. e acabo sempre insatisfeita e frustrada. e frustrando as pessoas com quem me relaciono. e sozinha.

o que me leva à pergunta final: como ajustar nossos desejos para a realidade possível? acho que essa, pra mim, é a maior dor de todas. ter trinta anos, ter dinheiro, ter idade, ter liberdade, ter maturidade, ter total poder sobre as próprias escolhas. e por conta de tudo isso desejar o impossível. mesmo sabendo, racionalmente, que o impossível não será nunca realizado, realizável.

os amigos dizem que o que me falta é achar alguém. que com a pessoa certa essas dúvidas desaparecem. eu não sei se eles entendem o que eu espero. nem sei se eu mesma entendo. e a pergunta continua. eu devia aprender a ajustar meus desejos?

"Pois não é apenas a indolência que faz as relações humanas se repetirem de modo tão monótono e sem renovação de caso a caso: é a timidez diante de qualquer experiência nova, imprevista, para a qual não nos consideramos amadurecidos. Mas apenas quem está pronto para tudo, quem não exclui nada, nem mesmo o mais enigmático, viverá a relação com uma outra pessoa como algo vivo, e irá até o fundo de sua própria existência. 
Pois, se pensarmos na existência do indivíduo como um cômodo de dimensões maiores ou menores, revela-se que a maioria de nós só chega a conhecer um canto de seu quarto, um local perto da janela, uma faixa na qual se anda para lá e para cá. Contudo, é muito mais humana do que essa segurança aquela incerteza, cheia de perigos, que leva os prisioneiros dos contos de Poe a tatearem as formas de seus cárceres aterrorizantes e a não serem alheios aos horrores indizíveis de sua permanência ali. 
E, no entanto, nós não somos prisioneiros. Não há armadilhas e emboscadas armadas em torno de nós, nada que nos devesse angustiar ou perturbar. Estamos lançados na vida como no elemento ao qual correspondemos melhor, além disso nos tornamos, por meio de uma adaptação de milhares de anos, tão semelhantes a essa vida que, por um mimetismo afortunado, se nos mantivermos quietos, quase não nos diferenciaremos daquilo que nos cerca. Não temos motivo algum para desconfiar de nosso mundo, pois ele não está contra nós. Caso possua terrores, são nossos terrores; caso surjam abismos, esses abismos pertencem a nós; caso existam perigos, então precisamos aprender a amá-los. Se orientarmos a nossa vida segundo aquele princípio que nos aconselha a nos aferrarmos sempre ao que é difícil, o que agora nos parece ser muito estranho se tornará o que há de mais familiar e confiável. 
Como poderíamos esquecer aqueles antigos mitos que se encontram nos primórdios de todos os povos, os mitos sobre os dragões que, no último momento, transformam-se em princesas? Talvez todos os dragões de nossa vida sejam princesas, que só esperam nos ver um dia belos e corajosos. Talvez todo terror não passe, em última instância, de um desamparo que requer nossa ajuda." 
(Trecho da Carta de Rilke a Franz Kappus, agosto 1904)

Nenhum comentário:

Postar um comentário