segunda-feira, 6 de abril de 2015

coisas que eu levei mais de trinta anos pra aprender sobre os relacionamentos

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
          -- Drummond, "Os ombros suportam o mundo"


sempre fui apaixonada pelos poemas de Drummond, desde que me entendo por gente pensante. e esse poema nunca me fez tanto sentido: vivemos uma realidade em que as relações são efêmeras, mas ainda as sentimos pesadas, ranço da velocidade com que as coisas mudam. passei esses dias conversando com pessoas e pensando no que aprendi a respeito dessas relações nesses anos de solteirice. e acho que consegui chegar a algumas conclusões com as quais as pessoas podem se identificar. não é nenhuma descoberta impressionante, veja bem; são só coisas que eu levei trinta e poucos anos pra aprender. maybe I'm a slow learner.
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coisa #1: "homem é assim mesmo" my ass!
o namorado flerta com outras na sua frente? você descobriu que ele mantinha um casinho virtual? o marido se recusa a ajudar na casa sob o argumento de que está satisfeito com a bagunça do jeito que está? o peguete desmarca em cima da hora e te faz sentir que você é a opção B? e aí você conta pras amigas e escuta um "homem é assim mesmo"? assim mesmo como? sem respeito pelo outro? sem cuidado com a mulher com quem está saindo?

hoje em dia parece que estamos vivendo um retrocesso e, em resistência a um suposto feminismo extremo, acabamos perdoando a falta de respeito masculina -- especialmente aos trinta, quando muita mulher acha que tem que aceitar qualquer merda porque já tá nos trinta. amiga: não tem. repete comigo: não. tem. tem um monte de homem canalha no mundo (e mulher!), como sempre teve. mas tem muita gente boa também, com valores decentes, cujas mães educaram bem e que aprenderam a respeitar as pessoas com as quais se preocupam.

larga esse estrupício que já já aparece alguém legal. e, se não aparecer, flor, antes só.


coisa #2: ceder sempre: um tiro no pé
uma coisa que eu aprendi a observar depois de ficar sozinha e aprender a gostar de mim mesma e da minha companhia é que grande parte das mulheres acredita, e tem uma postura que defende, que ceder é a maior prova de amor que se pode dar ao outro. e isso também é falta de respeito, gata. com você mesma.

exemplo: eu tô saindo com um cara, tá super legal. aí ele me liga chamando pra sair. é uma segunda à noite, e segunda à noite é o dia de jantar com as meninas do trabalho, é a nossa tradição. eu passo por cima disso e aceito, porque quero muito sair com ele (e as meninas entendem). em nenhum momento digo a ele que é dia de sair com as meninas. saio com ele e a noite é ótima. duas semanas depois, chamo ele pra sair e ele diz que não pode porque vai jogar futebol com os amigos. e aí começam as brigas do "eu abro mão de tudo por você e você não me prioriza em nada".

amiga. ninguém aqui tem mais vinte anos. uma pessoa de trinta (espera-se) já tem a vida dela estruturada, com compromissos, amigos, tentativa de resgate da saúde desperdiçada aos vinte e recuperação dos amigos. é a ordem natural das coisas. você também tá aí com a sua yoga e o seu arroz macrobiótico. o cara tem um guy's night. qual é o problema disso? o problema é que nós, mulheres, parecemos termos sido culturalmente programadas pra carência. a gente quer estar disponível pro cara, mesmo quando não está. e o homem (claro que estou generalizando, aloooou, estou falando da MINHA experiência) é menos afobado pra essas coisas. de modo que ele consegue dizer "não" pra uma pizza sem achar que você nunca mais vai ligar. mas, se isso não for cuidado, só aumenta. e vocês acabam como aqueles casais isolados que não fazem mais nada com os amigos, e não fazem mais nada separados.

minha dica? tenha as suas prioridades. mantenha essas prioridades. ceder não significa abrir mão da vida pelo outro. ceder está nas pequenas coisas, como fazer algo que você não gosta muito porque o outro gosta. viajar pra três países da europa em vez de só a inglaterra, que você queria, porque ele quer ver os castelos. isso é ceder, pensar como casal. mas continue tendo uma vida. até porque, sejamos honestas, quando/se esse relacionamento acabar, você ainda vai querer ter uma personalidade.


coisa #3: ninguém nesse mundo lê pensamentos
nem o david copperfield. nem o inri cristo. nem a sookie stackhouse lê os pensamentos do vampiro bill. então não espere que leiam os seus. fale o que está pensando, o que está sentindo. jogue limpo. não faça aquele mimimi que colava quando a gente tinha vinte anos: ninguém tem paciência pra isso aos trinta. está chateada? diga por quê. aconteceu alguma coisa? pergunte. está confusa, cismada, com medo? abra o jogo. esse negócio de fazer cara de puta e esperar que o outro adivinhe ou pergunte é coisa de menina.

seja a mulher que seu RG entrega. diga o que sente. e se isso for muito difícil, considere a terapia. vai te fazer bem.


coisa #4: perguntar demais ofende... a sua inteligência
tudo o que a gente quer aos trinta e poucos é pular as etapas chatas de um relacionamento, literally *cut the crap*. a gente quer saber logo se o cara é casado, se quer ou não filhos, se votou na dilma ou no aécio, se é contra o aborto e se gosta de sushi. e de alguma forma acha que ter todas essas informações logo vão ajudar a montar uma pessoa. e que vamos conseguir decidir, com base nesse mosaico, julgar se vale ou não a pena continuar saindo com o cara.

como se uma pessoa fosse só o que ela pensa. como se o cara contra o aborto não pudesse, quem sabe, não ser tão radical. como se o coxinha não pudesse ter um coração do tamanho do mundo. como se o que não quer ter filhos talvez não te convença a ter uma vida melhor e sem filhos. a gente não deve medir o que uma pessoa é com base nas opiniões que ela expõe no facebook. uma pessoa é um mundo, é cheia de complexidades, e é impossível - IMPOSSÍVEL - conhecer alguém em um encontro. ou em dois, ou em três. é preciso paciência, persistência, vontade. e nem todas as perguntas do mundo vão te dar o que conviver dá.

intimidade só se ganha com o tempo. relações só podem ser construídas com o tempo. cumplicidade, amizade, amor. tudo isso só existe com tempo.

arrume tempo.


coisa #5: aos trinta, todo mundo tem bagagem
o que eu quero dizer é: todos têm um histórico, um passado, traumas, medos, restos de fantasmas de relacionamentos/casamentos passados, expectativas.

tem um episódio maravilhoso de how i met your mother em que o personagem central, ted, está saindo com uma mulher que confessa que dorme na mesma cama que o irmão. e aquilo o incomoda profundamente, como se fosse um deal breaker, uma informação que acabasse com toda a promessa de relação que poderia vir daqueles encontros. e ele usa a metáfora da bagagem, como se tudo que a pessoa carrega do próprio passado fosse demonstrado em malas, de diversos tamanhos. então a mulher aparece na casa dele e ele visualiza as malas em volta dela, uma pra cada informação que o incomoda sobre o passado dela. até que ele se dá conta de que ele também tem malas, e que talvez as dele sejam tão feias quanto. e tem uma cena incrível em que ele sai na rua e consegue ver as bagagens das pessoas que passam, e aquilo passa a ser uma característica normal de cada um, e ele passa a ser mais compreensivo, tolerante. é uma cena linda.



seja em um relacionamento ou em busca de um, a gente está sempre aprendendo a lidar com as nossas frustrações e as dos outros. e, aos trinta, mais que nunca, é preciso entender que as pessoas já vêm com manias, traumas, restos de relações falidas, cansaço, preguiça. exercite a tolerância. seja legal. ouça o outro. entenda. compreenda. porque certamente as suas malas existem, e não são fáceis pra ninguém.

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mantenha essas coisas em mente quando estiver cansada do seu relacionamento, ou irritada com seu/sua parceiro/a, ou sem esperança de achar alguém legal no mundo. nem sempre o que a gente precisa é de alguém. às vezes a gente só precisa aprender a se aceitar. e aí vai ser mais fácil ser aceita pelo outro.

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