terça-feira, 21 de abril de 2015

tinderella my ass: o que eu aprendi com o tinder [parte II - a parte ruim]

como eu disse, o tinder pode ser maravilhoso pra conhecer pessoas. ele te dá a chance de conhecer MUITA GENTE em pouco tempo, coisa que aos 30 é quase impossível, visto que você tem o trabalho, a academia, casa pra cuidar, o trânsito, talvez filhos etc. mas aí vem o meu problema. que são dois, na verdade:

1- o tinder te dá uma amostragem muito maior das pessoas do "mundo" (o seu mundo)
e vou te contar, a realidade tá fria e dura, mas num estilo mais pra romance russo que pra frozen da disney.
O amor pode ser, e frequentemente é, tão atemorizante quanto a morte. Só que ele encobre essa verdade com a comoção do desejo e do excitamento. Faz sentido pensar na diferença entre amor e morte como na que existe entre atração e repulsa. Pensando bem, contudo, não se pode ter tanta certeza disso. As promessas do amor são, via de regra, menos ambíguas do que suas dádivas. Assim, a tentação de apaixonar-se é grande e poderosa, mas também o é a atração de escapar. E o fascínio da procura de uma rosa sem espinhos nunca está muito longe, e é sempre difícil de resistir. [BAUMAN, Zygmunt, em Amor líquido]
eu sou uma garota do interior. eu cresci numa cidade que tinha então 100 mil habitantes, que não tinha shopping, que por muitos anos não teve cinema. eu casei com o meu melhor amigo. eu fui muito feliz até não ser. e de repente eu fui jogada nessa arena que é se relacionar aos 30 anos.

o que eu descobri depois de mais de um ano e meio de tinder (leia: de solteira) é que uma porcentagem muito alta das pessoas não vale nada. e isso me incomoda. muito. o tinder me mostrou um lado feio do mundo, que eu desconhecia, talvez por uma mistura de ingenuidade e falta de oportunidade. eu não tinha essa dimensão do que são as pessoas, do que podem ser as pessoas. e o tinder me deu, por amostragem, essa estatística nova. é muita gente desonesta. gente com maus hábitos. gente sem valores decentes. gente sem caráter. gente que não te respeita.

se eu sabia que existia gente assim no mundo? claro que eu sabia. mas acho que a gente só entende a dimensão de algumas coisas quando elas acontecem com a gente. eu cresci dentro de uma bolha de bons valores morais. estudei na melhor escola. tive um marido excelente, sempre tive amigos leais, tenho uma família exemplar -- falha, como todas, mas que se redime, que sabe reconhecer erros, pedir desculpas. que me ensinou valores bons, que me ensinou a ser honesta, a ser justa, a reconhecer meus erros. eu nunca tinha tido contato real com pessoas de vários círculos, de diferentes mundos, com um passado diferente do meu. se eu era/sou ingênua? possivelmente. e estou aprendendo isso a essa altura da vida. veja só que infortúnio.

mas vida que segue. eu ainda espero encontrar o que me faça feliz. não sei se um relacionamento tradicional, não sei se uma volta ao mundo, não sei se uma reviravolta profissional. mas, mais que tudo isso, o que eu quero mais que tudo é encontrar pessoas boas. é resgatar esses valores, é ter relações baseadas em honestidade, em afeto, em troca. em aprender e ensinar. em me sentir sempre valorizada. eu não preciso de muito, só preciso de respeito.


2- o tinder te deixa viciada em começos
e isso é, a meu ver, a maldição da nossa geração.
“Indivíduos frágeis”, destinados a conduzir suas vidas numa “realidade porosa”, sentem-se como que patinando sobre gelo fino; e “ao patinar sobre gelo fino”, observou Ralph Waldo Emerson em seu ensaio Prudence, “nossa segurança está em nossa velocidade”. Indivíduos, frágeis ou não, precisam de segurança, anseiam por segurança, buscam a segurança e assim tentam, ao máximo, fazer o que fazem com a máxima velocidade. Estando entre os corredores rápidos, diminuir a velocidade significa ser deixado para trás; ao patinar em gelo fino, diminuir a velocidade também significa a ameaça real de afogar-se. Portanto, a velocidade sobe para o topo da lista dos valores de sobrevivência. [BAUMAN, Zygmunt, em Modernidade Líquida]
já disse o Bauman e eu assino embaixo: as relações estão sempre por um triz. a gente não quer parar e se permitir conhecer o outro. a gente não quer se dar tempo pra saber se o outro é tucano, se é homofóbico, se gosta de sushi, de gato, de praia. a gente quer achar que sabe isso tudo olhando cinco fotos. e a partir disso a gente inventa as pessoas, de uma forma ou outra, e vai criando expectativas e planos praquela pessoa inventada, que obviamente não vai suprir nossos desejos porque, bem, ela não existe.

e aí ao primeiro sinal de quebra dessa expectativa, a frustração é enorme, e é mais fácil partir pra outra. pro próximo. pra próxima pessoa inventada que montamos com cinco fotos, como um mosaico vagabundo comprado naquelas lojas de artigos falsificados que sempre tem um chinês/descendente de chinês vigiando a porta. um quebra-cabeças de cinco peças que não vai nunca ser uma figura bonita, porque elas não se encaixam de verdade.

estamos perdendo a paciência. pra tudo: pra ler, pra ver um filme inteiro, pra ver um seriado de meia hora sem parar pra olhar o celular. e pra se relacionar. e o começo é sempre bom, no começo tem a adrenalina, tem as coincidências, tem as pequenas felicidades de encontrar só as coisas boas em comum, nada é ruim ou chato ou dá preguiça. e dá pra fazer com várias pessoas ao mesmo tempo, então suprimos essa necessidade de estarmos conectados o tempo todo. mas se relacionar envolve tempo. dedicação. ceder. negociar. abrir mão. planejar em dupla. pensar no outro. e no mundo apressado em que vivemos, é melhor viver de estreias.

e qual o problema disso? você se torna uma pessoa rasa. que não lê, que não assiste nada, que não sabe conversar. e que não se relaciona de verdade. ou pior, pode virar uma pessoa que transfere essa dificuldade das relações pra algo mais simples, e cumpre a necessidade de se aprofundar em algo com coisas mais simples. não sabe se relacionar, mas é um leitor ávido. não sabe se relacionar, mas é um binge-watcher de séries. não sabe se relacionar, mas fuma três maços de cigarro por dia. não sabe se relacionar mas malha 5 horas por dia diante de um espelho. qualquer coisa pode virar uma compulsão que compensa o fato de que você simplesmente NÃO SABE MAIS SE RELACIONAR.

porque se relacionar significa estar pronta pro imprevisível. significa ter de reagir em tempo real. significa não poder olhar quem tá ligando e escolher não atender, ver quem mandou mensagem e pensar em como responder. se relacionar é lidar com o outro na lata. sem preparação. é se jogar. é autoconhecimento. é ser você sem máscaras. e é difícil pra caramba.

2 comentários:

  1. Muito bom o texto. Acho que tudo depende do objetivo de cada um no Tinder, como você disse na parte I é excelente pra conhecer as pessoas.
    Me lembrou um texto recente do Casal sem Vergonha, http://www.casalsemvergonha.com.br/2015/03/18/o-fantastico-mundo-dos-solteiros-onde-ninguem-encontra-ninguem/

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