sexta-feira, 7 de agosto de 2015

que tengo miedo a perderte, perderte después

eu sempre fui uma pessoa muito intensa nas minhas relações. sempre fui a primeira a dizer 'euteamo', sempre fui a que chamou o cara pra sair, a que pediu em namoro, a que não tinha medo de rejeição. eu sempre fiz as coisas como eu queria, sempre falei tudo que eu sentia pro outro, sempre fui muito transparente. honesta. sincera. extremamente afetuosa. nunca tive medo de ser assim. eu conseguia ler as pessoas, talvez, ou talvez fosse só quem eu sou. eu sou assim pra tudo.

aí você sai de um relacionamento longo e fica solteira um tempão. e se acostuma com a solidão, a independência, a rotina imprevisível, os caras de 30 anos, todos com medo de compromisso, cheios de escudos, armaduras, ex-namoradas traumatizantes, ex-esposas controladoras, ex-vidas das quais querem fugir. e de repente não tem mais homens disponíveis no mundo, exceto pra sexo casual, e você acha que vai ter que aceitar isso pra sua vida. e, como a todo o resto, você se acostuma.

você se acostuma a ser também indisponível. se acostuma a não procurar. se acostuma a não ser tão afetuosa (ainda mais em público!), e a esperar menos do outro. se acostuma a dormir sozinha, a jantar sozinha, a viajar sozinha, a ir aos bares sozinha. e não é ruim. tudo é adaptável. você faz amigos novos, você cria programas de solteiras, você se acostuma a ser uma ilha, a depender só de você mesma, a não querer mais alguém na cama -- que não mais parece grande demais, e agora é apenas grande, e isso é bom. ser sozinha é bom.

aí aparece alguém. quando você acha que não quer mais, que não precisa mais, nem tava mais pensando nisso... aparece alguém. e ele é charmoso e o papo é incrível e o perfume dele é melhor que todos os outros perfumes, e o beijo é mais doce, e ele dá a mão pra você na rua, te leva na porta de casa, cuida de você doente e te liga pra contar o dia merda que ele teve. e de repente, puf, você se apaixona.

aí chega a grande segunda crise de se ter mais de 30 anos: não saber mais lidar com estar apaixonada.

primeiro, porque o conceito de "estar apaixonada" é algo que a gente batalhou pra desconstruir. e pra isso acontecer, a gente fez ele parecer menor, desimportante. estar apaixonada não é importante, porque a gente já passou dos 30 e quer ser feliz. estar apaixonada não é prioridade na vida porque os homens não querem isso pra vida deles, e a gente também não pode querer, se quiser ser feliz. eu aprendi a ser feliz sem estar apaixonada -- sem precisar estar, quero dizer. mas em algum momento me perdi nessa batalha, e passei a achar que paixão é coisa de adolescente, bobagem, ingenuidade, vergonhinha.

segundo, porque ter 34 anos significa que já vivi muito (talvez metade de uma vida, pra muita gente) e também que já sofri muito. e já me ferrei muito. e já tenho muitas cicatrizes e medos e dores e pânicos (!) de relacionamentos anteriores, assim como os homens, e também criei com os anos minhas armaduras e escudos e uma lista de ex-namorados que me estragaram.

não é que eu não sinta mais -- eu sinto. eu sinto os frios na barriga. eu sinto o carinho infinito. eu sinto um afeto que é maior que todos os outros afetos. eu gosto do que eu sinto, eu reconheço, eu me sinto feliz por estar mais uma vez experimentando essas sensações... mas eu ainda me sinto segura enquanto não verbalizo. minha terapeuta sempre dizia, as coisas se tornam reais depois que passam pela palavra. e é verdade. é como se sentir sozinha fosse tão seguro quanto era ser sozinha. depois de tantas desilusões, foras, mentiras, morte, eu acabei de alguma forma desaprendendo a externalizar certas coisas. sentir é inevitável, mas é meu. ser afetuosa é inevitável, porque sou eu. mas verbalizar o meu afeto me apavora um pouco.

e então caio num loop eterno, porque meu medo me leva a um instante anterior, no qual eu apenas desejava viver o que agora estou vivendo. e agora que tenho o que eu me queixava de não mais ter, me sinto tímida, intimidada. depois de tanto tempo saindo com homens que te avisam que não querem namorar antes da primeira cerveja, de repente se ver namorando é uma sensação estrangeira. meio como descobrir que papai noel não existe, aceitar o fato, seguir com a vida, e uns anos depois dar de cara com ele entalado na chaminé.

e ver que ele te deixou de presente um homem incrível com o sotaque mais lindo, uma coleção de discos do ney e o coração cheio de esperança pelo mundo.

o mesmo mundo que te convenceu que você estava muito velha pra se apaixonar. isn't it ironic?


segunda-feira, 4 de maio de 2015

a incrível categoria das pessoas legais

tentando não me tornar uma pessoa amarga, decidi falar de algo positivo. algo que nos deixa felizes, animadas na segunda de manhã, renovando a fé na humanidade: as pessoas legais.

porque sim, elas existem. mas aos 30, parece que é mais difícil encontrar. talvez por estarmos todos já cheios de calos e cicatrizes e exaustos. não sei. talvez sejam só ondas, *fads*, sorte. talvez seja a gente seguindo o conselho da amiga e se abrindo mais pro mundo. dando outra chance. mas elas existem, as pessoas legais. pode ser o cara do seu lado no ônibus, pode ser a mocinha que faz crochê olhando pela janela. elas existem. 

eu entendo mas não sei onde começa: a gente vai se fechando pro mundo. a realidade das relações aos 30 anos é às vezes meio triste: um monte de pessoas assustadas que já chegam no bar com armadura nível Mel Gibson em Coração Valente. a gente se acostuma com pouco. com beber sem conversar muito, transar sem se olhar muito, sair sem demorar muito... e voltar pro mundo, sem sorrisos, sem mãos dadas, sem carinho. a gente aprende que intimidade indica e leva a relacionamento, e como já decidimos (e como se decide isso?) que não queremos um, é melhor não arriscar. a gente se queixa de não mais ter o que a gente mesmo não dá.

nesse ano e meio solteira eu própria me tornei um pouco uma guerreira moderna: a gente vai se moldando com o que tem. o cara que conversa pouco te faz pensar que é assim que os encontros são. o outro que te objetifica te faz pensar que é ok fazer isso de volta. o outro que à meia-noite ainda não aprendeu o seu nome te faz pensar que talvez isso não importe tanto... mas importa. não é ok. não deveriam ser assim os encontros. e digo isso pros dois lados, porque aprendi que tem muito homem se sentindo um lixo no meio disso tudo também. de tanto des-sensibilizar as relações, por medo de envolvimento, a gente aos poucos deixa de se tornar uma pessoa legal.

e isso é muito triste. a ideia de que os encontros não podem mais ser intensos porque temos medo. porque confundimos intensidade com envolvimento, ou melhor, confundimos envolvimento com decisão de relacionamento monogâmico, que aos 30 pode significar morte ou coisa parecida. 

e eu falo agora por mim: de tanto medo de me relacionar, de parecer que escolhi, ou mesmo de me envolver demais, eu acho que endureci. me tornei fria. uma pessoa pior. eu me digo intensa, mas talvez venha sendo uma intensidade que só eu sinto, não compartilhada. porque o medo que o outro tem me dá medo, e eu não mais me entrego a nada nem ninguém. por medo de assustar, eu perco a parte mais gostosa de se relacionar -- que é a sensação da entrega. sem ela, somos todos agentes masturbatórios.

e é nessa hora que as pessoa legais aparecem: quando você acha que a vida é isso. elas chegam e não têm medo de segurar a sua mão em público. cozinham pra você. te contam os segredos delas. te acompanham no cinema, no museu, na livraria. te levam na porta de casa. te fazem rir até as seis da manhã. te fazem cócegas. café. carinho. cafuné. te fazem sentir. te acordam pra vida de novo.


as pessoas legais existem pra nos lembrar de não se acostumar com menos. de não aceitar as coisas pela metade. de não querer mais o que não é inteiro, intenso, completo. 

que a gente perca o medo de se relacionar, por medo de não mais conseguir se desvencilhar. que esse pensamento fique pro dia seguinte. que a gente volte a buscar essa felicidade nas pequenas coisas. esse post é um agradecimento aberto às pessoas legais que encontrei recentemente. you know who you are. muito obrigada.

domingo, 26 de abril de 2015

a realidade.


“Where the myth fails, human love begins. Then we love a human being, not our dream, but a human being with flaws.” -- Anais Nin, November 1941

(quando o mito cai, o amor humano se inicia. e aí temos um ser humano; não um sonho, mas um ser humano com falhas.)

sexta-feira, 24 de abril de 2015

sossego

[encontrado em um caderninho. datado de novembro de 2008]


eu queria entender melhor o que me torna reclusa e o que me mantém de pé, ter mais controle do meu humor. entender melhor a passagem de voz ao cantar, controlar uma e outra. entender melhor a formação das escalas, dos acordes, saber de cor, conseguir compor pro tanto que eu sempre preciso dizer. dizer em outra língua, em sons, controlar melhor o meu publico/privado. queria ser mais generosa, genuinamente generosa, que, aprendi ontem, é tudo que nao sou. queria entender o que dispara a ansiedade, entender por que ela dispara, e aprender a destravar. entender o que causa o pavor da desorganização, se eu já sou essa bagunça. queria saber ser sincera sem ser melosa, ser carinhosa sem soar nada além de carinho. queria saber fazer com que os meus cabelos ainda estivessem bonitos às sete da noite, queria ser mais feminina. queria menos símbolos e mais verdades, menos pré-julgamentos e mais critérios, menos olhares e mais sorrisos. queria menos barriga. queria saber a hora de parar, e ter mais responsabilidade. aceitar umas coisas, perdoar outras. esquecer umas tantas. colocar umas em moldura, como os quadrinhos do hopper que eu quero tanto e não me organizo pra fazer. se eu pensar bem, eu até sou feliz, mas eu queria mais. se eu pensar bem, eu sou livre, mas eu queria mais. se eu pensar mais, eu sou tanta coisa, mas nada é suficiente. eu queria conseguir delimitar uma linha de suficiência, e poder chegar nela. mas tudo no meu mundo é inalcançável. não precisava deixar de querer, porque é saudável, mas eu queria querer mais o que eu tenho. eu queria sossego. dormir e não acordar com pesadelos, calor e esse cansaço que não me larga. sossego. eu queria ser mais, mas não sei quanto. sossego.

sobre fraturas, e cicatrizes, e a perda, e a vida

quando eu penso em fratura exposta, penso em cicatriz. é a primeira coisa que me vem à cabeça, inevitável. você vai lá, faz um estrago de respeito no seu corpo, e aí fica uma marca. dói pra sempre. quando o tempo esfria, dói de novo. eu tenho cicatrizes, resultado de uma cirurgia, e sinto isso. cicatrizes são sempre associadas ao feio, as pessoas têm vergonha, eu acho que é assim porque uma cicatriz mostra algo que devia ser secreto, é uma exposição involuntária de uma parte de você, uma história, algo que seria íntimo, não tivesse agora carimbado. às vezes tira a simetria do corpo, que a gente tanto tenta manter, que é tão associado ao "belo". às vezes tira a forma que se espera de alguém. cicatrizes quebram com expectativas, são uma denúncia não-autorizada.

quando eu penso em tatuagens, penso que são como cicatrizes autorizadas. fazer uma tatuagem é provocar uma cicatriz. o cara vai lá, machuca você com agulhas e vai pintando o estrago conforme vai fazendo. e aquilo fica marcado pra sempre. quando eu era pequena, eu não entendia ainda o que eram as tatuagens. achava misterioso, davam um ar de perigo aos homens que tanto me atraíam. caveiras, cultura oriental, palavras rasgando a pele. umas são horrorosas, umas superam os donos. eu não entendia. minha vida era perfeita, eu tinha um emprego ótimo, casei com meu melhor amigo, ele cantava pra eu dormir. tinha problemas aqui e ali, mas quem não os têm? ele cantava pra eu dormir.

aí a vida vai levando a gente por caminhos que a gente não escolhe. e me divorciei. essa foi a primeira grande dor da minha vida. eu não sei como é a dor de quebrar um osso, nunca passei por isso. mas, sem comparar, era muita dor. mesmo sabendo que era o melhor, mesmo sabendo que era necessário. dói pra caralho. não se supera nunca algo assim, é o que eu acho. fica pra sempre um pouco de dor, e fica pra sempre um pouco do amor. mas a gente guarda aquilo numa gaveta, forra com renda, põe cheiro de flor, escolhe um puxador lindo que lembre aqueles olhos castanhos, e fecha. e a gente refaz a vida, transforma aquilo em boas memórias, em aprendizado. foram anos muito felizes, afinal, até não serem. refiz minha vida. arrumei outro emprego, me apaixonei de novo,

me apaixonei de novo. ele me ensinou a amar os beatles de uma forma que eu ainda não amava. e fez o divórcio doer menos. uma noite estou indo dormir e me despeço do novo namorado, que está indo para um show. vou dormir tarde naquela noite, porque a manhã seguinte era um sábado, e eu podia dormir até. acordo às nove da manhã com o telefone: ele nunca voltou do show. morreu num acidente de carro, voltando pra casa. gritei, gritei como um personagem de gabo faria, "a mulher que gritou por três dias". essa seria eu. e depois, a dor. uma dor que não sei até hoje medir. parece que a gente vai desmaiar, o ar não volta, não existe mais água no corpo pra chorar, começa a dar sede. ver aquele corpo todo quebrado no caixão, assimétrico, disforme. dezenas de fraturas expostas que não iam precisar ser escondidas. e a saudade. dilacerante. tudo que não fomos, tudo que eu não disse, tudo que ele não vai viver.

e lá se vai mais uma gaveta. cheiro de rosas, como o nosso chá preferido descoberto logo depois de eu fotografas a esquina da Ipiranga com a Sâo João. no fundo ecoa "happiness is a warm gun". mas aos poucos fui conseguindo organizar, um tanto de dor, um monte de amor, e ainda sobram partes pra fora da gaveta, mas refiz minha vida, de novo. venho refazendo, aos poucos, um dia de cada vez. tem dias que a gaveta ganha, e eu choro. tem dias que consigo fechá-la completamente. mas consigo viver em paralelo. e me apaixonei de novo. e de novo. e de novo.

quando a gente vive coisas assim, que marcam tanto a gente, começa a dar vontade de ter uma cicatriz. eu senti isso de forma muito forte, muito irresistível. se as dores que eu senti eram tão ou mais fortes que a de um osso quebrado, não sei dizer. mas comecei a sentir que precisava de cicatrizes, pra contar uma história com o meu corpo, como se marcar aquilo na pele fosse me dar a paz de que eu precisava. a dor das agulhas, a tinta que fica pra sempre, preenchendo um pouquinho daquele vazio enorme. marcando no corpo uma dor e um amor que são tão meus quanto o próprio corpo. e aquilo me deu um pouco de paz.

no fim, eu achei uma forma de transformar essas experiências em algo doce, como o pavê da vó annita. minhas tatuagens me dizem que eu posso viver, porque minha história não será esquecida, nem diminuída. virou uma parte de mim que todos podem ver, e eu não me importo, acho até bonito, como os quelóides que ficaram da minha cirurgia. se eu guardo minhas dores em gavetas pra poder viver um novo amor, minha história ainda está lá. e eu me sinto tranquila.

no momento estou procurando um novo amor. procurando não; me permitindo viver, e quem sabe ele aparece. desses assim, de se jogar, que sou dessas. não é fácil: pelo contrário, a idade torna cada dia mais difícil sentir certas coisas. mas eu acredito que sem intensidade não tem graça viver. é difícil sentir, e é difícil encontrar alguém que me aceite assim, como eu sou, com cicatrizes e gavetas e cabelo despenteado. cantando no chuveiro e sonhando em ter uma banda de jazz. chorando na tpm e nos shows da bethânia. sem tempo pra nada e querendo tudo. os bolsos com tantos sonhos que esqueço de encher de dinheiro. e transbordando de amor pelas pessoas e experiências e memórias.

eu quis contar isso aqui pra todo mundo entender que a vida segue, e pode continuar sendo incrível, apesar das fraturas. que cicatriz tem que ser motivo de orgulho e não de vergonha. que só tem cicatriz quem se machuca, e só se machuca quem vive. a vida pode continuar sendo incrível. a minha é.

terça-feira, 21 de abril de 2015

tinderella my ass: o que eu aprendi com o tinder [parte II - a parte ruim]

como eu disse, o tinder pode ser maravilhoso pra conhecer pessoas. ele te dá a chance de conhecer MUITA GENTE em pouco tempo, coisa que aos 30 é quase impossível, visto que você tem o trabalho, a academia, casa pra cuidar, o trânsito, talvez filhos etc. mas aí vem o meu problema. que são dois, na verdade:

1- o tinder te dá uma amostragem muito maior das pessoas do "mundo" (o seu mundo)
e vou te contar, a realidade tá fria e dura, mas num estilo mais pra romance russo que pra frozen da disney.
O amor pode ser, e frequentemente é, tão atemorizante quanto a morte. Só que ele encobre essa verdade com a comoção do desejo e do excitamento. Faz sentido pensar na diferença entre amor e morte como na que existe entre atração e repulsa. Pensando bem, contudo, não se pode ter tanta certeza disso. As promessas do amor são, via de regra, menos ambíguas do que suas dádivas. Assim, a tentação de apaixonar-se é grande e poderosa, mas também o é a atração de escapar. E o fascínio da procura de uma rosa sem espinhos nunca está muito longe, e é sempre difícil de resistir. [BAUMAN, Zygmunt, em Amor líquido]
eu sou uma garota do interior. eu cresci numa cidade que tinha então 100 mil habitantes, que não tinha shopping, que por muitos anos não teve cinema. eu casei com o meu melhor amigo. eu fui muito feliz até não ser. e de repente eu fui jogada nessa arena que é se relacionar aos 30 anos.

o que eu descobri depois de mais de um ano e meio de tinder (leia: de solteira) é que uma porcentagem muito alta das pessoas não vale nada. e isso me incomoda. muito. o tinder me mostrou um lado feio do mundo, que eu desconhecia, talvez por uma mistura de ingenuidade e falta de oportunidade. eu não tinha essa dimensão do que são as pessoas, do que podem ser as pessoas. e o tinder me deu, por amostragem, essa estatística nova. é muita gente desonesta. gente com maus hábitos. gente sem valores decentes. gente sem caráter. gente que não te respeita.

se eu sabia que existia gente assim no mundo? claro que eu sabia. mas acho que a gente só entende a dimensão de algumas coisas quando elas acontecem com a gente. eu cresci dentro de uma bolha de bons valores morais. estudei na melhor escola. tive um marido excelente, sempre tive amigos leais, tenho uma família exemplar -- falha, como todas, mas que se redime, que sabe reconhecer erros, pedir desculpas. que me ensinou valores bons, que me ensinou a ser honesta, a ser justa, a reconhecer meus erros. eu nunca tinha tido contato real com pessoas de vários círculos, de diferentes mundos, com um passado diferente do meu. se eu era/sou ingênua? possivelmente. e estou aprendendo isso a essa altura da vida. veja só que infortúnio.

mas vida que segue. eu ainda espero encontrar o que me faça feliz. não sei se um relacionamento tradicional, não sei se uma volta ao mundo, não sei se uma reviravolta profissional. mas, mais que tudo isso, o que eu quero mais que tudo é encontrar pessoas boas. é resgatar esses valores, é ter relações baseadas em honestidade, em afeto, em troca. em aprender e ensinar. em me sentir sempre valorizada. eu não preciso de muito, só preciso de respeito.


2- o tinder te deixa viciada em começos
e isso é, a meu ver, a maldição da nossa geração.
“Indivíduos frágeis”, destinados a conduzir suas vidas numa “realidade porosa”, sentem-se como que patinando sobre gelo fino; e “ao patinar sobre gelo fino”, observou Ralph Waldo Emerson em seu ensaio Prudence, “nossa segurança está em nossa velocidade”. Indivíduos, frágeis ou não, precisam de segurança, anseiam por segurança, buscam a segurança e assim tentam, ao máximo, fazer o que fazem com a máxima velocidade. Estando entre os corredores rápidos, diminuir a velocidade significa ser deixado para trás; ao patinar em gelo fino, diminuir a velocidade também significa a ameaça real de afogar-se. Portanto, a velocidade sobe para o topo da lista dos valores de sobrevivência. [BAUMAN, Zygmunt, em Modernidade Líquida]
já disse o Bauman e eu assino embaixo: as relações estão sempre por um triz. a gente não quer parar e se permitir conhecer o outro. a gente não quer se dar tempo pra saber se o outro é tucano, se é homofóbico, se gosta de sushi, de gato, de praia. a gente quer achar que sabe isso tudo olhando cinco fotos. e a partir disso a gente inventa as pessoas, de uma forma ou outra, e vai criando expectativas e planos praquela pessoa inventada, que obviamente não vai suprir nossos desejos porque, bem, ela não existe.

e aí ao primeiro sinal de quebra dessa expectativa, a frustração é enorme, e é mais fácil partir pra outra. pro próximo. pra próxima pessoa inventada que montamos com cinco fotos, como um mosaico vagabundo comprado naquelas lojas de artigos falsificados que sempre tem um chinês/descendente de chinês vigiando a porta. um quebra-cabeças de cinco peças que não vai nunca ser uma figura bonita, porque elas não se encaixam de verdade.

estamos perdendo a paciência. pra tudo: pra ler, pra ver um filme inteiro, pra ver um seriado de meia hora sem parar pra olhar o celular. e pra se relacionar. e o começo é sempre bom, no começo tem a adrenalina, tem as coincidências, tem as pequenas felicidades de encontrar só as coisas boas em comum, nada é ruim ou chato ou dá preguiça. e dá pra fazer com várias pessoas ao mesmo tempo, então suprimos essa necessidade de estarmos conectados o tempo todo. mas se relacionar envolve tempo. dedicação. ceder. negociar. abrir mão. planejar em dupla. pensar no outro. e no mundo apressado em que vivemos, é melhor viver de estreias.

e qual o problema disso? você se torna uma pessoa rasa. que não lê, que não assiste nada, que não sabe conversar. e que não se relaciona de verdade. ou pior, pode virar uma pessoa que transfere essa dificuldade das relações pra algo mais simples, e cumpre a necessidade de se aprofundar em algo com coisas mais simples. não sabe se relacionar, mas é um leitor ávido. não sabe se relacionar, mas é um binge-watcher de séries. não sabe se relacionar, mas fuma três maços de cigarro por dia. não sabe se relacionar mas malha 5 horas por dia diante de um espelho. qualquer coisa pode virar uma compulsão que compensa o fato de que você simplesmente NÃO SABE MAIS SE RELACIONAR.

porque se relacionar significa estar pronta pro imprevisível. significa ter de reagir em tempo real. significa não poder olhar quem tá ligando e escolher não atender, ver quem mandou mensagem e pensar em como responder. se relacionar é lidar com o outro na lata. sem preparação. é se jogar. é autoconhecimento. é ser você sem máscaras. e é difícil pra caramba.

tinderella my ass: o que eu aprendi com o tinder [parte I: a parte boa]

funciona mais ou menos assim: você fica solteira e alguém aparece e te fala: amiga, tem um app chamado [tinder] (ou qualquer outro), você tem que tentar, é ótimo pra conhecer pessoas... e você pensa, eeeeeu? claro que não! eu sou melhor que isso, vê se eu vou usar app pra conhecer pessoas. e pensa que sua amiga é maluca, ou corajosa, ou sente um fiozinho de pena por ela precisar disso, já que você não precisa... e morre o assunto.

aí você tá lá, na merda, se sentindo abandonada no sábado à noite, sem nada pra fazer, com saudade da vida a dois, pensando que COM CERTEZA nunca mais vai achar alguém nessa vida e vai morrer sozinha, e acha o primeiro sinal de rugas, e acha que a barriga tá mais flácida que semana passada, e nesse dia aparecem dois fios brancos e não só aquele de sempre... e você pensa, qual era mesmo o nome do aplicativo?

e puf! você tá no tinder.

e aí você vê que não é um lugar de gente desesperada, é um lugar de gente bonita (em grande parte). e você pensa, ok, não é tão grave! e você começa a brincar, esse não, esse não, esse de jeito nenhum, esse parece baixo, esse parece mala, esse tem cabelo esquisito, caraca esse é o quinto segurando a torre eiffel, esse é o oitavo de mochila na montanha, qual desses cinco será o homem, esse parece jovem demais, esse parece velho demais, esse parece bonito demais pra mim, que porra é essa, tô ficando louca, assim nunca vou conhecer ninguém, esse sim, esse sim, esse sim, esse sim, esse sim.

e aí começam os matches, você fala oi, ele fala oi, você marca um café, uma cerveja, um cinema. tem o cara que te chama pra cama dele na primeira tela, tem o que conversa semanas sem nem se insinuar, tem o que parece mala só depois do papo, tem o que parece feito pra você e você já sonha com os nomes dos filhos, tem o que você marca só pra ver se aquele homem gato ia te querer, mas depois desmarca,..

o tinder é um mundo de possibilidades. já usei no sábado à noite pra conhecer pessoas, usei em viagens pra fazer amigos, usei só pra ganhar matches e alimentar o ego, usei pra passar o tempo no ônibus. conheci gente linda e horrorosa, por dentro e por fora. conheci pessoas que se tornaram amigos incríveis, conheci pessoas que me ensinaram sobre a vida e o mundo, conheci quem se apaixonasse por mim e me apaixonei uma vez. mas o fato é: minha amiga não estava errada, é uma forma maravilhosa de se conhecer pessoas. todo mundo devia tentar.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

as dores dos trinta anos

às vezes eu me pego perguntando se viver é mais difícil pra algumas pessoas que pra outras. não sei exatamente medir o que causa isso, talvez se eu lesse mais Lacan, Sartre ou sei lá quem mais, eu pudesse ter respostas melhores, mas ao mesmo tempo tenho medo de me aprofundar mais e me afundar mais na realização negativista com a qual, tenho notado, tenho tendência a flertar.

sempre fui uma pessoa que busca todos os dias olhar pro copo e pensá-lo como meio cheio: um mundo de possibilidades. mas a realidade, o dinheiro, as contas, a pressão, o trabalho, a família, tudo sempre faz aquele contrapeso que me empurra a pensar no meio vazio. é uma briga eterna entre o emocional e o racional. tento todos os dias me convencer de que a depressão, apesar de ser elemento forte na minha família, e de ser algo para o qual temos predisposição genética, é algo que em mim vou conseguir controlar. mais exercício, mais vida fora de casa, mais socialização, mais amigos, e tudo vai ficar bem. vai mesmo? who knows.

hoje recebi uma notícia devastadora, para as proporções do meu mundo: um dos meus melhores amigos, que já vinha sumido há algum tempo, me mandou a mensagem final: não me procure mais. assim, uma linha. uma amizade de anos que acabou com uma linha. não houve nada entre nós que pudesse ter causado isso, apenas a nova namorada dele, com quem ele quer construir uma vida, tem ciúme de mim e da nossa relação - que sempre foi de amizade. e ele escolheu a promessa de futuro com alguém.

isso me fez pensar em algumas coisas. a primeira é que depois dos trinta talvez as prioridades mudem para algumas pessoas. a máxima "bros before hoes"/"sisters before misters" talvez não valha quando você está apaixonado, ou acha que está, ou quer como meta ter um relacionamento que funcione a qualquer custo. e por conta disso as pessoas mudam, se tornam irreconhecíveis. esse amigo era uma das pessoas mais legais que já conheci, super articulado, super sensível, intenso com a vida. se expressava de uma forma tão singular, que era o que eu mais gostava nele. e tudo acabou com uma linha: não me procure mais. no explanations, no real goodbyes. se o que ele quer é isso, e a condição é me deixar no caminho, so be it.

a outra coisa em que pensei é que essa minha tristeza revela algo ainda mais profundo em mim: talvez um certo medo de que eu não seja jamais capaz de fazer essa escolha. eu não acho justo o que ele fez, não acho que uma pessoa que diz que te ama pode te privar de coisas que não são uma ameaça real ao relacionamento, e eu não aceitaria passar por isso, por amor nenhum. e talvez essa seja a realização mais triste de todas, proporções tomadas: a de que eu simplesmente não me vejo mais como alguém capaz de me apaixonar o suficiente pra ter como prioridade a relação em si, acima de tudo.

o que é um dilema, uma dor e um medo constantes. eu não quero morrer sozinha (não tenho intenção de soar dramática aqui, é só uma maneira de me colocar) e saio de casa todos os dias esperando me apaixonar. de verdade. eu sinto saudade dos highs and lows e da euforia e da sensação de que aquela pessoa é o ser mais incrível do universo e que sorte ser correspondida, etc. e acho que não negociar certas coisas é ser egoísta, e isso é algo que não sou, mesmo. mas ao mesmo tempo tenho em mim enraizado um pensamento cultural de que preciso de um amor descomunal pra ser feliz com alguém, e que sem isso é melhor ser sozinha, ou continuar procurando. mas a ansiedade que isso gera faz com que nada pareça bom, ou certo, ou seguro, ou posível no longo prazo. de modo que acabo sozinha esperando algo idealizado que jamais vai existir.

não consigo dar chance pro que é palpável, porque meu emocional me diz que há de existir algo melhor, que aquilo não é intenso o suficiente. mas o melhor não existe, ao que parece. e acabo sempre insatisfeita e frustrada. e frustrando as pessoas com quem me relaciono. e sozinha.

o que me leva à pergunta final: como ajustar nossos desejos para a realidade possível? acho que essa, pra mim, é a maior dor de todas. ter trinta anos, ter dinheiro, ter idade, ter liberdade, ter maturidade, ter total poder sobre as próprias escolhas. e por conta de tudo isso desejar o impossível. mesmo sabendo, racionalmente, que o impossível não será nunca realizado, realizável.

os amigos dizem que o que me falta é achar alguém. que com a pessoa certa essas dúvidas desaparecem. eu não sei se eles entendem o que eu espero. nem sei se eu mesma entendo. e a pergunta continua. eu devia aprender a ajustar meus desejos?

"Pois não é apenas a indolência que faz as relações humanas se repetirem de modo tão monótono e sem renovação de caso a caso: é a timidez diante de qualquer experiência nova, imprevista, para a qual não nos consideramos amadurecidos. Mas apenas quem está pronto para tudo, quem não exclui nada, nem mesmo o mais enigmático, viverá a relação com uma outra pessoa como algo vivo, e irá até o fundo de sua própria existência. 
Pois, se pensarmos na existência do indivíduo como um cômodo de dimensões maiores ou menores, revela-se que a maioria de nós só chega a conhecer um canto de seu quarto, um local perto da janela, uma faixa na qual se anda para lá e para cá. Contudo, é muito mais humana do que essa segurança aquela incerteza, cheia de perigos, que leva os prisioneiros dos contos de Poe a tatearem as formas de seus cárceres aterrorizantes e a não serem alheios aos horrores indizíveis de sua permanência ali. 
E, no entanto, nós não somos prisioneiros. Não há armadilhas e emboscadas armadas em torno de nós, nada que nos devesse angustiar ou perturbar. Estamos lançados na vida como no elemento ao qual correspondemos melhor, além disso nos tornamos, por meio de uma adaptação de milhares de anos, tão semelhantes a essa vida que, por um mimetismo afortunado, se nos mantivermos quietos, quase não nos diferenciaremos daquilo que nos cerca. Não temos motivo algum para desconfiar de nosso mundo, pois ele não está contra nós. Caso possua terrores, são nossos terrores; caso surjam abismos, esses abismos pertencem a nós; caso existam perigos, então precisamos aprender a amá-los. Se orientarmos a nossa vida segundo aquele princípio que nos aconselha a nos aferrarmos sempre ao que é difícil, o que agora nos parece ser muito estranho se tornará o que há de mais familiar e confiável. 
Como poderíamos esquecer aqueles antigos mitos que se encontram nos primórdios de todos os povos, os mitos sobre os dragões que, no último momento, transformam-se em princesas? Talvez todos os dragões de nossa vida sejam princesas, que só esperam nos ver um dia belos e corajosos. Talvez todo terror não passe, em última instância, de um desamparo que requer nossa ajuda." 
(Trecho da Carta de Rilke a Franz Kappus, agosto 1904)

segunda-feira, 6 de abril de 2015

coisas que eu levei mais de trinta anos pra aprender sobre os relacionamentos

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
          -- Drummond, "Os ombros suportam o mundo"


sempre fui apaixonada pelos poemas de Drummond, desde que me entendo por gente pensante. e esse poema nunca me fez tanto sentido: vivemos uma realidade em que as relações são efêmeras, mas ainda as sentimos pesadas, ranço da velocidade com que as coisas mudam. passei esses dias conversando com pessoas e pensando no que aprendi a respeito dessas relações nesses anos de solteirice. e acho que consegui chegar a algumas conclusões com as quais as pessoas podem se identificar. não é nenhuma descoberta impressionante, veja bem; são só coisas que eu levei trinta e poucos anos pra aprender. maybe I'm a slow learner.
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coisa #1: "homem é assim mesmo" my ass!
o namorado flerta com outras na sua frente? você descobriu que ele mantinha um casinho virtual? o marido se recusa a ajudar na casa sob o argumento de que está satisfeito com a bagunça do jeito que está? o peguete desmarca em cima da hora e te faz sentir que você é a opção B? e aí você conta pras amigas e escuta um "homem é assim mesmo"? assim mesmo como? sem respeito pelo outro? sem cuidado com a mulher com quem está saindo?

hoje em dia parece que estamos vivendo um retrocesso e, em resistência a um suposto feminismo extremo, acabamos perdoando a falta de respeito masculina -- especialmente aos trinta, quando muita mulher acha que tem que aceitar qualquer merda porque já tá nos trinta. amiga: não tem. repete comigo: não. tem. tem um monte de homem canalha no mundo (e mulher!), como sempre teve. mas tem muita gente boa também, com valores decentes, cujas mães educaram bem e que aprenderam a respeitar as pessoas com as quais se preocupam.

larga esse estrupício que já já aparece alguém legal. e, se não aparecer, flor, antes só.


coisa #2: ceder sempre: um tiro no pé
uma coisa que eu aprendi a observar depois de ficar sozinha e aprender a gostar de mim mesma e da minha companhia é que grande parte das mulheres acredita, e tem uma postura que defende, que ceder é a maior prova de amor que se pode dar ao outro. e isso também é falta de respeito, gata. com você mesma.

exemplo: eu tô saindo com um cara, tá super legal. aí ele me liga chamando pra sair. é uma segunda à noite, e segunda à noite é o dia de jantar com as meninas do trabalho, é a nossa tradição. eu passo por cima disso e aceito, porque quero muito sair com ele (e as meninas entendem). em nenhum momento digo a ele que é dia de sair com as meninas. saio com ele e a noite é ótima. duas semanas depois, chamo ele pra sair e ele diz que não pode porque vai jogar futebol com os amigos. e aí começam as brigas do "eu abro mão de tudo por você e você não me prioriza em nada".

amiga. ninguém aqui tem mais vinte anos. uma pessoa de trinta (espera-se) já tem a vida dela estruturada, com compromissos, amigos, tentativa de resgate da saúde desperdiçada aos vinte e recuperação dos amigos. é a ordem natural das coisas. você também tá aí com a sua yoga e o seu arroz macrobiótico. o cara tem um guy's night. qual é o problema disso? o problema é que nós, mulheres, parecemos termos sido culturalmente programadas pra carência. a gente quer estar disponível pro cara, mesmo quando não está. e o homem (claro que estou generalizando, aloooou, estou falando da MINHA experiência) é menos afobado pra essas coisas. de modo que ele consegue dizer "não" pra uma pizza sem achar que você nunca mais vai ligar. mas, se isso não for cuidado, só aumenta. e vocês acabam como aqueles casais isolados que não fazem mais nada com os amigos, e não fazem mais nada separados.

minha dica? tenha as suas prioridades. mantenha essas prioridades. ceder não significa abrir mão da vida pelo outro. ceder está nas pequenas coisas, como fazer algo que você não gosta muito porque o outro gosta. viajar pra três países da europa em vez de só a inglaterra, que você queria, porque ele quer ver os castelos. isso é ceder, pensar como casal. mas continue tendo uma vida. até porque, sejamos honestas, quando/se esse relacionamento acabar, você ainda vai querer ter uma personalidade.


coisa #3: ninguém nesse mundo lê pensamentos
nem o david copperfield. nem o inri cristo. nem a sookie stackhouse lê os pensamentos do vampiro bill. então não espere que leiam os seus. fale o que está pensando, o que está sentindo. jogue limpo. não faça aquele mimimi que colava quando a gente tinha vinte anos: ninguém tem paciência pra isso aos trinta. está chateada? diga por quê. aconteceu alguma coisa? pergunte. está confusa, cismada, com medo? abra o jogo. esse negócio de fazer cara de puta e esperar que o outro adivinhe ou pergunte é coisa de menina.

seja a mulher que seu RG entrega. diga o que sente. e se isso for muito difícil, considere a terapia. vai te fazer bem.


coisa #4: perguntar demais ofende... a sua inteligência
tudo o que a gente quer aos trinta e poucos é pular as etapas chatas de um relacionamento, literally *cut the crap*. a gente quer saber logo se o cara é casado, se quer ou não filhos, se votou na dilma ou no aécio, se é contra o aborto e se gosta de sushi. e de alguma forma acha que ter todas essas informações logo vão ajudar a montar uma pessoa. e que vamos conseguir decidir, com base nesse mosaico, julgar se vale ou não a pena continuar saindo com o cara.

como se uma pessoa fosse só o que ela pensa. como se o cara contra o aborto não pudesse, quem sabe, não ser tão radical. como se o coxinha não pudesse ter um coração do tamanho do mundo. como se o que não quer ter filhos talvez não te convença a ter uma vida melhor e sem filhos. a gente não deve medir o que uma pessoa é com base nas opiniões que ela expõe no facebook. uma pessoa é um mundo, é cheia de complexidades, e é impossível - IMPOSSÍVEL - conhecer alguém em um encontro. ou em dois, ou em três. é preciso paciência, persistência, vontade. e nem todas as perguntas do mundo vão te dar o que conviver dá.

intimidade só se ganha com o tempo. relações só podem ser construídas com o tempo. cumplicidade, amizade, amor. tudo isso só existe com tempo.

arrume tempo.


coisa #5: aos trinta, todo mundo tem bagagem
o que eu quero dizer é: todos têm um histórico, um passado, traumas, medos, restos de fantasmas de relacionamentos/casamentos passados, expectativas.

tem um episódio maravilhoso de how i met your mother em que o personagem central, ted, está saindo com uma mulher que confessa que dorme na mesma cama que o irmão. e aquilo o incomoda profundamente, como se fosse um deal breaker, uma informação que acabasse com toda a promessa de relação que poderia vir daqueles encontros. e ele usa a metáfora da bagagem, como se tudo que a pessoa carrega do próprio passado fosse demonstrado em malas, de diversos tamanhos. então a mulher aparece na casa dele e ele visualiza as malas em volta dela, uma pra cada informação que o incomoda sobre o passado dela. até que ele se dá conta de que ele também tem malas, e que talvez as dele sejam tão feias quanto. e tem uma cena incrível em que ele sai na rua e consegue ver as bagagens das pessoas que passam, e aquilo passa a ser uma característica normal de cada um, e ele passa a ser mais compreensivo, tolerante. é uma cena linda.



seja em um relacionamento ou em busca de um, a gente está sempre aprendendo a lidar com as nossas frustrações e as dos outros. e, aos trinta, mais que nunca, é preciso entender que as pessoas já vêm com manias, traumas, restos de relações falidas, cansaço, preguiça. exercite a tolerância. seja legal. ouça o outro. entenda. compreenda. porque certamente as suas malas existem, e não são fáceis pra ninguém.

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mantenha essas coisas em mente quando estiver cansada do seu relacionamento, ou irritada com seu/sua parceiro/a, ou sem esperança de achar alguém legal no mundo. nem sempre o que a gente precisa é de alguém. às vezes a gente só precisa aprender a se aceitar. e aí vai ser mais fácil ser aceita pelo outro.

segunda-feira, 30 de março de 2015

coisas que eu aprendi no mundo do *online dating*

ah, o dating world quando a gente tem trinta e poucos.

com esses aplicativos então, menina, é uma oferta absurda, tem tinder, tem plenty of fish, tem adote um cara... isso porque estou mencionando só os que podem ser usados no celular e eu já testei; no desktop tem mil outras opções e certamente existem outros aplicativos. tem artigos e artigos ajudando homens e mulheres a conhecer pessoas novas, tem milhões de maneiras de arrumar companhia pra essa noite sem ter que sair da cama pra procurar.

eu sei, eu sei que essa coisa de sair (ou não) e conhecer pessoas pra se "envolver" é uma questão muito pessoal, tem quem goste, tem quem odeie, tem quem sinta medo etc. mas quando você tem trinta e poucos, eu acho que existem algumas coisas que todo mundo precisa ter em mente ao usar esses aplicativos, homem ou mulher. vamos a elas:


coisa #1: as pessoas mentem
assim como no mundo. mas no mundo virtual é mais fácil mentir, é mais difícil ser pego na mentira e dá pra mentir pra várias pessoas ao mesmo tempo. eu sei que as pessoas mentem. mas eu só experimentei isso na pele usando apps de relacionamento. a quantidade de homem casado/comprometido que se insinua pra você fingindo que é solteiro não é brincadeira. e como vocês não têm conhecidos em comum, é fácil manter essa mentira. e as pessoas estão ficando mestres em criar novas formas de enganar. e não vou ser ingênua (já chega o tanto que sou online) aqui e dizer que homens são mentirosos e mulheres são coitadinhas: porque já me disseram que tem um monte de mulher fazendo o mesmo. então a minha primeira dica pra você, que quer experimentar esse mundo, é: fica esperta/o. não acredite nas pessoas porque elas parecem legais. a pessoa casada não deixa de ser legal. e conforme vai aprendendo a mentir, isso vai ficando mais fácil e natural. então fica esperta/o. entra nessa sabendo que isso é um risco alto.


coisa #2: as pessoas não sabem o que querem
assim como você. e eu. aos vinte, a gente não sabe o que quer porque tem o mundo pela frente; aí a gente experimenta a vida, e aos trinta a gente continua sem saber o que quer porque tem mil coisas que a gente já sabe que não quer, mas nem todo mundo já experimentou, e você começa a lidar com essa falta de igualdade nas experiências. você cede aqui e ali, decide que não tem saco pra outras coisas, desiste em outros momentos. e é difícil começar uma relação, e ter disposição pra ser um casal, porque as desigualdades aos trinta são bem mais gritantes que aos vinte. tem um monte de marmanjo/a querendo compensar o fato de ter casado cedo e querendo ser piranho/a aos trinta -- o que eu acho super válido, contanto que seja uma atitude honesta com as outras pessoas. resumindo: ninguém sabe o que quer. ainda que muitos finjam que sabem.


coisa #3: rejeição online dói tanto quanto pessoalmente
não é porque a pessoa não está te vendo levar o fora que o fora fica mais fácil. mas assim como a oferta online é absurdamente maior, igualmente maior é a quantidade de rejeções. e a melhor forma de lidar com isso é: aprendendo a lidar. o tinder pode ser maravilhoso pra autoestima quando você ganha matches o dia todo, mas também pode ser um horror quando você marca coraçãozinho em 800 pessoas já sem olhar, desesperada e suando, e não ganha um match que seja. e depois ganha um, mas a conversa morre. ou você sai com o cara, e o cara sai no meio do encontro. ou quando nunca mais liga. a nossa cultura de esperar que o homem faça tudo/possa tudo não ajuda. e a rejeição existe em diversos níveis, mas encare isso como uma coisa boa: você está aprendendo finalmente a lidar com algo que a nossa geração vem ensinando a evitar. ser rejeitado não é o fim do mundo e muito menos é um atestado de que você é feia, gorda ou chata. você pode ser tudo isso para aquele cara, e tudo bem, tem muito cara que você acha feio e chato e magrelo e que certamente alguma outra mulher há de gostar. eu diria ainda que ser rejeitada às vezes pode te ensinar algo sobre você mesma. e você só tem a ganhar com isso.


então: seja honesta, pense no que você quer e pense que existem mil razões pra alguém não querer sair com você, a maioria delas externas a você.

saber dessas coisas é super importante pra que você se sinta um pouquinho mais segura/o nesse mundo cão de se relacionar aos trinta e poucos. conhecer gente online não é pros fracos. tem que quebrar muito a cara, tem que aprender a dançar conforme a música. e não estou me fazendo de vítima não, tudo é uma escolha. eu aceitei testar esse mundo. eu faço uso dele às vezes. mas, honestamente, não é o que eu quero pra minha vida. isso eu já sei. espero não precisar dele sempre.

domingo, 29 de março de 2015

o(s) querer(es)

não é fácil ser solteira aos trinta e poucos.

não que ser solteira em si seja difícil -- a gente aprende a se amar muito mais rápido quando pára de esperar que o outro nos ame. a gente aprende a sair sem depender dos outros, a viajar sozinha, a ir no restaurante sozinha (adoro e não mais me sinto observada/julgada, ainda que saiba que deve ter alguém com pena da minha suposta solidão), cinema, teatro, tudo. dá pra fazer tudo sozinha, e bem. não é por isso que é difícil.

também não é difícil, per se, ainda que seja chato, lidar com as expectativas. as minhas eu aprendi a domar, mas as dos outros. das pessoas que me amam e acham que pra eu ser feliz eu preciso de várias coisas. que eu preciso de um marido, ou pelo menos de um namorado. que eu preciso de um salário muito maior que o que eu tenho. que eu preciso de filhos, ou de planos de filhos. que eu preciso de planos de ter um imóvel, planos de ter uma previdência privada, planos de. planos. e eu aprendi que, honestamente, eu não sou boa nisso. eu não sei fazer planos de longo prazo. eu não sei pensar nos meus 60 anos quando as pessoas morrem aos 26 ao meu redor. eu quero viver agora, ser feliz agora, aprender a amar o que eu tenho, o que está ao meu redor. eu amo vocês, pessoas que me amam. mas eu não sou essa pessoa que vocês queriam que eu fosse. segura. que pensa no futuro. que sonha com o nome dos netos. estável. não sou.

eu acho essas coisas lindas, eu já sofri por não querer todas elas. eu me questiono constantemente -- que mulher não se questiona, meudeus? -- a respeito do porquê de não querer essas coisas, de não esperar o que se espera. eu não sei por que eu não quero. não sei explicar. eu só não quero. e não é um "não quero filhos", "não quero namorado", não é isso. eu só não tenho isso como meta de vida. se acontecer, vai ser porque minha realidade mudou, e ela será bem-vinda. mas eu não vivo meus dias pensando nisso. eu não quero ter esses planos. mas estou aberta ao mundo e às pessoas e às experiências. e é justamente por isso que não posso querer uma coisa específica. eu quero viver. ver no que dá.

ser solteira aos trinta e poucos é difícil, mais que tudo, porque a gente precisa lidar com outras pessoas solteiras aos trinta e poucos. e se eu já sou esse mundo de dúvidas e medos e desejos, imagina outra pessoa com os desejos e medos e dúvidas dela, numa idade em que a gente já tá sem saco pra ceder, pra ouvir, pra ser legal. eu às vezes tenho medo de estar me tornando uma pessoa que quer ser feliz acima de querer que o outro seja feliz comigo. eu queria que todos fossem felizes sem que ninguém precisasse abrir mão de nada. existe isso? é o que eu queria encontrar.

taí, achei uma coisa que eu quero.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

ressignificação

saudade é uma palavra esquisita. não se pode traduzir, porque ninguém além da gente sabe exatamente o que é. e eu nunca entendi como aquelas pessoas, do resto do mundo, vivem sem poder expressar isso que eu sei sentir tão claramente e que não existe nada que defina melhor. saudade é uma palavra tão essencial e ao mesmo tempo, né, se a gente não tivesse, não ia saber. se não tivesse a palavra, quero dizer. saudade a gente sempre tem, mesmo quando não tem como dizer exatamente o que é aquilo que a gente sente. saudade é uma palavra esquisita porque é uma só, e nela cabe muita coisa. pode ser saudade de uma coisa que deixa a gente muito triste, como lembrar de alguém que morreu e sentir quase uma falta de ar esmagando o peito, porque não tem jeito, não tem solução. pode ser saudade de uma coisa que você fazia na infância, tipo o sorvete de flocos amarelado de teresópolis, que ainda existe. pode ser saudade dos meus avós que eu não vejo tanto quanto gostaria, mas é uma saudade doce, com gosto de pavê. pode ser saudade de alguém que está longe mas que vem ao seu encontro, e aí a saudade some e vai se reconstruindo aos poucos, mas sempre de uma forma boa. pode ser saudade da pessoa que você foi, mas não pode mais ser, e aí tem um incômodo, um desconforto. cabe muita coisa em sete letras. e dói de formas diferentes, e é bom de formas diferentes. e a gente sente tudo ao mesmo tempo. saudade é uma palavra esquisita.

terça-feira, 11 de maio de 2010

sorte

e aí eu ganhava o cílio, depois de fazer o pedido. e tinha que pegar o cílio vencido, passar o dedo no colo, e deixar ele se perder. depois de ganhar, podia deixar ali, no corpo, ou caído no vento, porque já havia a garantia de realização do pedido. você via no rosto de alguém um cílio caído, não valia arrancar, jamais. roubar pra fazer pedido era maldição, na certa. tinha que esperar cair e aí puxa, que sorte ver antes de todo o mundo! e pegava, e a dona do cílio tinha o direito de disputar com você a realização do que fosse mais precioso para cada uma. os dedos unidos por alguns instantes, e depois o aceno com a cabeça: pronto, já pedi. e aí soltavam-se os dedos e quem ganhasse, colocava no colo pra guardar. eu sempre passava o dedo mais perto do coração. ah, o romantismo da infância.

se na hora final o cílio caísse, era porque os pedidos tinham sido grandiosos demais, too much. e aí era um desperdício; uma chance perdida de mudar o próprio destino. então tinha que ser algo grandioso, porque vai que eu ganho?, mas não tão grandioso a ponto dele cair no chão, apontando pra você a culpa de ter desejado demais. meus pedidos eram sempre grandiosos, sempre coisas como "quero ser muito feliz pra sempre", porque eu achava que pedir assim garantia as outras coisas, menores, as conjunturas. porque não era um desejozinho qualquer, eram 50% de chance de fazer algo muito bom funcionar. era uma probabilidade muito boa, então tinha que ser muito, coisas menores eu podia mudar sozinha.

e aí eu saía, vitoriosa, o cílio guardado no coração, só esperando começar a ser muito feliz pra sempre. até que surgisse outro, então tinha de inventar novos pedidos grandiosos a serem realizados (por algum motivo, os pedidos pra que ninguém mais passasse fome no mundo sempre caíam no chão, aprendi a não pedir mais). às vezes pedia alguma coisa menor, mas por outras pessoas, sempre focada no pedido maior: pessoas felizes ao meu redor me deixam feliz. eu penso hoje nessa minha obsessão pela felicidade e acho bonito. a gente cresce e deixa de esperar certas coisas. é um implícito que acaba negligenciado por parecer tão óbvio. não é.

outras vezes eu perdia, e pensava, talvez a fulana precisasse mais dessa vez, preciso pedir algo de que eu realmente precise. e assim ia educando meus desejos, aprendendo a moldar o que devia ou não ser desejado. isso diz tanto sobre quem eu me tornei! mas era uma delícia, essa vida em que, a qualquer momento, podia surgir uma oportunidade de desejar o impossível, pra ganhar um pouquinho que fosse de algo de bom. era maravilhoso. era uma coisa de momento, olha, um cílio! peraí, preciso pensar no que pedir! silêncio! e aí acessar os arquivos mentais, o que eu pedi da última vez? e ponderar, analisar o que era possível/ vantajoso/necessário naqueles poucos segundos, com a lógica de uma criança de seis/oito/doze anos. e arriscar. e aí pronto, esquecer daquilo de novo. o coração cheio de esperança, e até o próximo cílio.

domingo, 4 de abril de 2010

what's love got to do with it?

eu tive um professor de biologia no segundo grau que adorava criar cenas para as coisas que ensinava. lá nos anos 90, numa cidade do interior do rio de janeiro, eu tinha acabado de sair de uma escola católica e fui estudar em uma espécie de cooperativa de professores, a maioria vindos da capital, que tinham uma linha de pensamento muito mais condizente com o que eu sonhava em ser. 

eu sou a professora que, há duas semanas, fez um comentário em aula sobre a sexualidade de shakespeare. há oito anos, na minha graduação, ninguém ousou sugerir pra nós que o grande poeta da língua inglesa pudesse ser gay. a meu ver, isso é uma possibilidade bem óbvia, dada a natureza dos sonetos, e vale ser mencionada. mas, irrelevante pra este texto: o que quero dizer é que sexualidade (e, em especial, a sexualidade com prefixos) era algo que até bem pouco tempo não parecia algo passível de menção, em especial quando poderia "manchar" a imagem de grandes ícones mundiais. mesmo assim, na pequena cidade do interior, meu professor de biologia falava dos prefixos.

recordo-me em especial de uma aula em que falamos de sexualidade e na qual ele criou para nós uma cena dentro do zoológico. "visualizem", ele disse, "imaginem o fim do dia no zoológico, pessoas saindo, os funcionários deixando o recinto, aquele clima à meia luz, e então dom lobão aparece com uma mesa, toalha, velas, louça antiga, queijos e vinhos, tudo preparado para seduzir a loba que com ele divide a jaula, e que há dias ele vinha tentando levar 'no papo'". ele contava então dos dias e diálogos incansáveis, dom lobão fazendo uso de suas melhores cantadas e nada da loba gatinha (sic) dar bola pra ele, até que veio a idéia do jantar romântico. o professor continuava a compor a cena, da qual já não me recordo tão bem, criando um espaço de sedução animal, "humanizando" os lobos. no fim da história, a loba bêbada e já entregue a seu don juan de pêlo marrom lustroso, o professor levantava as sobrancelhas e dizia "hã? hã? que tal?", nos fazendo imaginar o que viria depois.

"os animais também têm seus métodos de sedução", ele completava.* disso eu já sabia: as penas do pavão, o cortejo do faisão, o ballet dos flamingos, tudo em nome da cópula. or is it? meu professor dizia que sim. tudo em nome da cópula. nós nunca veríamos de fato um jantar à luz de velas entre um casal de lobos porque eles cruzam por instinto, pra se reproduzir.

"mas nós, seres humanos, diferentemente do que a igreja nos leva a pensar, nós não fazemos tudo em nome da cópula. nós temos o prazer, o amor. e a partir do momento em que o sexo deixa de ser um mero ato de reprodução animal, a partir do momento em que o sexo envolve todas essas sensações, e emoções, me parece natural que o gênero deixe de ser uma questão". lembro dessa frase como se me tivesse sido dita ontem, achei sensacional estar ouvindo aquilo aos 16 anos, em uma cidade como aquela. aquele professor virou meu herói.

ele não se aprofundou muito, isso é verdade. mas essa aula continua na minha memória, quase 14 anos depois. e hoje vi uma matéria no new york times que me fez relembrar a história: a matéria discute a possibilidade de que animais também se relacionem com outros do mesmo sexo, por uma razão outra que não a cópula. a repórter fala com uma bióloga que descobriu casais de fêmeas de albatrozes (de acordo com a matéria, umas das espécies mais monogâmicas que existem, e aparentemente mais monogâmicas que nós, humanos) que vivem juntas há quase duas décadas. isso mesmo, albatrozes meninas, que vivem juntas há quase 20 anos. são vários casais, um terço do total de pássaros naquela região. a matéria diz, e os biólogos afirmam, que não se pode concluir muito a partir disso, porque não se estudou sobre isso ainda (será que vão estudar sobre isso?), não se sabe os motivos disso acontecer, se é algo que tem a ver com uma espécie de afetividade ou o quê. o fato é que os casais de mesmo sexo estão lá, fiéis, firmes, roçando suas barriguinhas e arcando seus pescoços e formando corações.

e cá estou eu, nesse domingo com cara de chuva, cheia de papéis vazios de chocolate ao meu redor, porque afinal é páscoa, e o que é a páscoa para nós pagãos senão o dia de comer chocolate sem culpa (e olha que eu nem gosto muito, mas esse chocolate com laranja... loveit), cá estou eu descabelada, de pijama, considerando fazer um miojo, o apartamento vazio, os restos de um casamento que um dia foi pendurados por todos os cantos, como fantasmas, cá estou eu sozinha, pensando, os albatrozes é que são felizes.


* minhas aspas não são reais, não sei o paradeiro do meu professor. são apenas ilustrativas do que me lembro de seu discurso. apenas para separar o texto "dele" do meu. por esse mesmo motivo, não uso seu nome neste texto. pode ser que ele não tenha querido dizer nada disso, enfim, e que eu é que tenha ouvido dessa forma. de qualquer maneira, agradeço a ele por me abrir esses caminhos de pensamento, intencionalmente ou não.

terça-feira, 23 de março de 2010

it's not you, it's me

é engraçado como muita gente me pergunta isso. "localização? como é isso, você fica procurando coisas no google?" é mesmo um termo estranho pra quem não é da área, mas, acredite, não tem termo que defina melhor o que eu faço.

localização é uma área da tradução, que assim se chama porque vem de "tornar local", não tem nada a ver com encontrar coisas no google. é o termo usado para essa área da tradução que lida com softwares. a gente traduz programas de computador, basicamente é isso. desde o botãozinho "Iniciar" que você clica pra fazer qualquer coisa no windows até os manuais de ajuda, a caixa do produto e os releases de lançamento, tudo é feito por nós, profissionais de localização.

para traduzir esses softwares, usamos programas de tradução específicos. que ajudam a manter o formato codificado original, não mexer na formatação, traduzir legendas de imagens, gráficos etc. existem diversos programas de localização de software, uns melhores que outros, uns muito piores mas aos quais temos que nos sujeitar. e tem a microsoft, que criou programas próprios para a localização dos seus softwares. um deles se chama locstudio, que é um desses programas geniais que transformam um programa inteiro em uma super-power-blaster-surround planilha, na qual é possível simplesmente traduzir os botões/comandos/whatever numa coluninha e quando acaba, puf, o engenheiro transforma aquilo em programa de novo - já localizado para o português.

o locstudio tem várias coisas legais. ele tem milhões de opções de verificação que fazem com que seja quase impossível fazer um trabalho ruim. ele verifica repetições, inconsistências, aponta se você pulou alguma linha, procura num glossário e vê se você traduziu de acordo com ele, oferece milhões de formas de verificar cada possível tropeço ao qual todo tradutor está sujeito, seja por um minuto de sono, porque o telefone tocou, porque não pensou no big picture naquele minuto, enfim. e ele te ajuda a corrigir, aponta onde foi, é lindo.

o programa também tem seu lado ruim, que é o de, diferente de programas que usam memória de tradução, como o Trados, não mostrar o que já foi traduzido em frases parecidas com aquela. ele só te mostra uma frase se ela for idêntica à que você está traduzindo. e aí isso vira um trabalhinho a mais, uma pesquisazinha a mais. tudo bem, mas não custava nada facilitar a nossa vida.

mas uma coisa que eu *realmente* invejo no locstudio são os filtros. o programa tem uma coisa sensacional, que é a capacidade de filtrar o seu arquivo de trabalho usando qual-quer (eu repito, qual-quer) critério. você quer que ele mostre só o que ainda não foi traduzido? aplica o filtro, puf. quer que ele mostre só o que foi feito por um tradutor específico. aplica o filtro. quer uma coisa que ele ainda não sabe fazer? tudo bem, ele deixa você CRIAR um filtro. e aí você aplica. são opções infinitas de filtragem, e aí o programa só te mostra aquela parte do texto, aquele viés.

eu quero isso pra vida.

eu quero poder me filtrar pras pessoas, quero poder olhar para alguém e pensar, hmmm, não posso ser tão acadêmica aqui, e plim, aplicar o filtro de menos academicismo. quero pensar, hmm, preciso ser mais nerd aqui, e tchan, aplicar o filtro nerd. eu sou uma pessoa sem filtros, isso me causa muitos problemas. veja bem, eu transito muito bem entre os diferentes ambientes sociais, mas é sempre barely, sempre sendo tão eu mesma que às vezes isso me prejudica. porque ainda que isso indique um teor de personalidade que muita gente não tem, e isso é bom, não é?, mas isso também me impede um pouco de impor limites. eu não tenho mais aquele murinho que divide o formal do informal, o público do privado, o que deve ser dito e o que não deve. eu cheguei em um nível de transparência que não é, não pode ser, saudável. 

ainda vou explicar isso melhor em outros momentos, ou talvez isso simplesmente fique claro aqui. não é que eu seja uma mulher sem segredos; eu tenho segredos, como todo mundo, e tenho vergonhas, e receios, e medos, e tudo mais. mas eu, definitivamente, não tenho filtros. e isso atrapalha, eu venho concluindo, a minha relação com homens heterossexuais. desde ter que ouvir o irmão me chamar de "hippie", porque eu não tenho grandes pudores com o sexo oposto, até ouvir um amigo próximo fazer um comentário um tanto sexualizado sobre mim, o que foi muito constrangedor. mas o que eu acho é que a minha falta de filtro justifica isso. it's not you, it's me.

mas, nem oito, nem oitenta: eu preciso achar a medida que me deixa confortável ser quem eu sou, como eu sou. não acho que filtros sejam se esconder, pelo contrário, é mostrar o que é relevante. e isso nada tem a ver com meus decotes...

locstudio 1 x 0 eu.